Vamos sentir falta dos sonhos de David Lynch
MARIO ABBADE
David Lynch foi o cineasta mais bem-sucedido em combinar o cinema noir e o surrealismo, de tal forma que seus projetos se tornaram populares. Seus filmes são uma espécie de conto de fadas sombrio, ao mesmo tempo irônicos, em que os personagens embarcam numa jornada pelo inferno para poder conseguir chegar ao paraíso. Alguns conseguem (“O homem elefante”, “Veludo azul”, “Coração selvagem”) e outros não (“Estrada perdida”, “Cidade dos sonhos”). Sua formação na classe média dos anos dourados do american way of life exerce marcante influência em sua obra, mas jamais de maneira simplista e direta. Lynch sempre vai além do óbvio, trilhando a face oculta do sonho americano.
É curioso que ele tenha se tornado cineasta por acaso.David Lynch entrou para o mundo das artes estudando pintura na Academia de Artes da Filadélfia nos anos 1960. Mas não gostava da imobilidade, sempre achou que as imagens clamavam por movimento. Desse incômodo, nasceu a ideia da animação, os primórdios de sua paixão pelo cinema. Com esse início, bem à moda lynchiana, ele entregou filmes singulares que estão entre os mais analisados e admirados por cinéfilos de todo o mundo.
Na TV, ele também fez história. Em 1990, lançou o que viria a ser considerado o divisor de águas da televisão americana: “Twin Peaks”. O seriado foi descrito pela revista Time como “diferente de tudo no horário nobre ou no mundo de Deus”.
Além de seu importante e prestigiado trabalho como diretor e artista plástico, Lynch conseguiu se tornar um ícone da cultura pop, estampado em camisetas e cartazes, entre outros produtos, graças a seus modos excêntricos, e simultaneamente inocentes, seu jeito de vestir, o topete, a meditação e as frases engraçadas e enigmáticas. Estimulado pela cafeína e por grandes quantidades de açúcar, David Lynch sempre tirou suas ideias geniais de seus sonhos e pesadelos, defendendo que eram um passaporte para outro universo. E nós sempre embarcamos nessas viagens oníricas junto com ele.
GLOBO