Brasil boicota Carrefour por gado, mas nao quando a empresa tortura negros
LEONARDO SAKAMOTO
A política nacional está se desdobrando para defender o boicote de frigoríficos ao Carrefour no Brasil após o presidente mundial da rede anunciar um boicote de carne bovina do Mercosul na França. Ele queria fazer média com produtores franceses contrários ao acordo entre União Europeia e nosso bloco comercial. Quando a agropecuária tá em pauta, Brasília pede respostas duras e concretas, como fizeram o ministro da Agricultura Carlos Fávaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, entre outros. Mas quando a empresa comete uma sequência de abusos contra a população negra, não vemos o mesmo movimento por boicote puxado pela política. Sim, a carne vermelha realmente vale mais do que a negra no Brasil.
O caso mais famoso foi o de Beto Freitas, assassinado em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra, em 19 de novembro de 2020. Imobilizado, acabou sufocado e espancado até a morte no estacionamento por um segurança e um policial militar temporário. Um acordo milionário foi firmado em setembro de 2021 e a empresa prometeu mudar o comportamento em suas lojas.
Mas no dia 7 de abril de 2023, a professora negra Isabel Oliveira foi perseguida por um segurança enquanto fazia compras no Atacadão Parolin, em Curitiba, que pertence à rede francesa.
Depois, retornou ao estabelecimento e tirou a roupa em forma de protesto, mostrando a frase que escreveu no próprio corpo: “Sou uma ameaça?”.
No mesmo dia, Vinícius de Paula, marido de Fabiana Claudino, bicampeã olímpica de vôlei, diz ter sofrido racismo em uma unidade do Carrefour em Alphaville, condomínio de alta renda próximo a São Paulo. Ele teve atendimento negado em um caixa preferencial vazio, que depois aceitou uma cliente branca que também não se enquadrava nos requisitos.
Após o caso de Isabel, o presidente Lula, afirmou, em reunião ministerial, que "o Carrefour cometeu mais um crime de racismo com uma cliente negra" e que "a gente não vai admitir o racismo que essa gente tenta impor ao Brasil".
Mesmo após a promessa, um casal foi torturado e humilhado por tentar furtar leite em pó no Big Bom Preço, pertencente ao grupo Carrefour, do bairro São Cristóvão, em Salvador, no mês seguinte. O caso gerou comoção após um vídeo com as agressões e a justificativa de ambos, de que o produto era para alimentar a filha que passava fome, viralizar nas redes sociais.
A capivara é extensa e não nasceu hoje, claro. Por exemplo, há 15 anos, em agosto de 2009, Januário Alves de Santana, acusado de estar roubando um automóvel em uma loja do Carrefour, em Osasco (SP), foi submetido a uma sessão de tortura. "O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?", perguntaram, enquanto cinco pessoas davam chutes, murros, coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em 72 vezes.
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