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    segunda-feira, setembro 30, 2024

    EU MEXI NO VERÍSSIMO.

     de Ulisses Mattos

    Eu era estagiário no Jornal do Brasil e estava passando dois meses na revista Domingo, na virada de 1995 para 1996. Entre minhas atribuições, estava a de pegar o fax com o texto da coluna do meu ídolo Luis Fernando Veríssimo e digitar para jogar no sistema do jornal. Não lembro se ele escrevia a máquina ou se era no computador. Mas com certeza não mexia com internet ou scanner. Fiz esse trabalho umas duas ou três vezes

    Até que um dia, quando estava digitando o parágrafo final de um miniconto de Veríssimo, me passou pela cabeça um desfecho diferente para a história. Ri internamente e continuei com a digitação. Por poucos segundos. Tive que parar e pensar muito no que estava sendo impelido a fazer. Por que não alterar o fim do conto? Ninguém no jornal iria conferir. Ninguém no mundo saberia se eu não contasse. E se Veríssimo também ficasse quieto. Mas por que ele ficaria em silêncio sobre isso?

    Porque eu faria um final que ele amaria. Talvez ele até procurasse saber o nome de quem digitou o texto, pediria para conversar comigo, elogiaria meu ato, diria que eu deveria ser escritor ou cronista. E que me ajudaria nisso. Seria meu mentor. Depois ficaríamos amigos. Um dia, sendo entrevistado sobre meu mais novo romance, eu revelaria essa peculiar história.

    Mas... faltou coragem. Ou sobrou bom senso? A chance de tudo dar errado era muito maior que a de um final feliz. Veríssimo, com toda razão, reclamaria com o editor da revista, que me chamaria até sua mesa e explicaria por que eu estava sendo expulso do jornal, sem completar o período de seis meses de estágio. E me revelaria que existia uma lista com nomes expurgados do jornalismo, sendo que o meu estaria no topo a partir daquele momento.

    É, esse final era mais plausível. Então desisti do meu parágrafo e fiquei com o do Veríssimo mesmo, que era provavelmente melhor.
    “Ei, mas você disse no título que mexeu no Veríssimo!”. Sim, é veríssimo. Só que foi em outra ocasião. E foi um dos maiores erros que cometi na carreira. Como eu não tinha alterado o texto do meu ex-futuro-amigo, continuei com a nobre tarefa de digitar suas crônicas. E eis que um belo dia encontrei um erro de português do escritor.

    “Ora, ora, ora... Parece que meu herói também comete falhas. Tudo bem, eu vou salvá-lo”. E assim, do papel do fax para o sistema digital, uma expressão utilizada por Veríssimo ganhou uma crase, posta por mim. Sim! Mexi no Veríssimo! Era a glória. Não ficaríamos amigos por isso, mas tudo bem. O que eu não sabia é que se Veríssimo um dia conferiu o texto publicado, ele foi muito amigo em ficar quieto. É, tem mais história.

    Anos depois, quando escrevia no site de humor Cocadaboa, gabei-me de ter corrigido o grande escritor no tempo em que eu era apenas um estagiário. Não foi em minha coluna, mas em uma nova seção de postagem diária, um espécie de miniblog inserido no site. Alguns minutos depois, um comentário apareceu dizendo algo como “então você corrigiu errado, porque essa expressão não tem crase”.

    Eu acho que até cheguei a rir, pois um leitor qualquer não poderia me passar uma informação de português que eu não conhecia. Eu me achava muito craque no assunto. Mas eis que a soberba se distraiu um pouco, talvez em um papinho bobo com a autoconfiança, e a insegurança assumiu o controle, pedindo para eu dar uma conferida nas regras. E foi então que aprendi que nem sempre a expressão “a distância” leva crase. O consenso é que apenas grafamos “à distância” quando a tal distância está definida.

    Por exemplo: “ele estava à distância de cinco quilômetros da verdade, que agora estava escancarada diante de sua face ruborizada”. Sim, eu mexi errado no Veríssimo.
    O que ficou depois disso? Claro que passei a ser menos metido e adquiri a humildade de reconhecer que ainda tinha e tenho que checar bem antes de corrigir alguém. Mas não só. Ficou também a consciência de que tenho uma relação especial com Luis Fernando Veríssimo.

    Enquanto alguns doidos atribuíram textos de outras pessoas a ele, sendo desmentidos pelo escritor ou reportagens, só eu atribuí a Veríssimo um erro de português. E ele nunca fez questão de apontar isso. Talvez por não ter achado o caso grave como o acento. Ou até tenha considerado minha “correção” engraçada e ficou lá em Porto Alegre rindo de mim a distância.

    ESSE POST FOI ADAPTADO DA EDIÇÃO DA SEMANA DA MINHA NEWSLETTER, "PÔNEI DE TROIA". A ASSINATURA É GRATUITA: poneidetroia . substack. com

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