O VENEZUELANO FAZ EM SEU PAÍS O QUE BOLSONARO DESEJAVA FAZER
p o r A L D O F O R N A Z I E R I
As eleições venezuelanas
são uma farsa do come-
ço ao fim e caminham
para uma tragédia, com
vários mortos e feridos e
centenas de presos. O re-
gime cívico-militar po-
licial, definição do pró-
prio Nicolás Maduro a respeito de seu
governo, primeiro perseguiu, prendeu
e impediu opositores de concorrer. De-
pois, aceitou como candidato um ex-di-
plomata desconhecido, que nunca ha-
via sido candidato a nada. Por fim, o
Conselho Eleitoral Nacional, domina-
do por maduristas, proclamou a vitória
do autocrata com 80% de votos apura-
dos, apesar de a diferença entre Maduro
e Edmundo González poder ser rever-
tida nesses 20% restantes. Não apare-
ceram atas e boletins de apuração. Ca-
so apareçam vários dias depois da apu-
ração, estarão sob suspeita de fraude.
Maduro faz o que Jair Bolsonaro
queria fazer no Brasil. Lá, ele domina
o Parlamento, a Suprema Corte e a Co-
missão Eleitoral Nacional. Aqui, Bol-
sonaro comprou o Parlamento com o
orçamento secreto e investiu contra o
Supremo Tribunal Federal e o Tribu-
nal Superior Eleitoral. Queria dominá-
-los, com prisões e substituições de juí-
zes. As ditaduras contemporâneas ca-
racterizam-se pelo controle das Cortes
Supremas, do Legislativo e dos proces-
sos eleitorais. Maduro, Nayib Bukele,
Daniel Ortega e Bolsonaro são todos
da mesma estirpe, adotam os mesmos
métodos e professam os mesmos valo-
res. Valores e métodos empregados pe-
los extremistas de direita.
Ortega traiu o sentido revolucioná-
rio do sandinismo. Perseguiu e expur-
gou seus ex-companheiros para insti-
tuir uma ditadura corrupta e persecu-
tória. Maduro traiu o sentido revolucio-
nário que existia na origem do chavismo.
Substituiu o chavismo por um maduris-
mo corrupto, persecutório, antidemo-
crático, sustentado por uma oligarquia
civil-militar-policial que se apossa das
rendas geradas pelo petróleo, empobre-
ce o povo e gera fome e miséria.
Um dos primeiros a denunciar a trai-
ção de Maduro foi o historiador e ex-
-guerrilheiro Toby Valderrama, a quem
Hugo Chávez chamava de “velho cama-
rada”. Valderrama e seus companheiros
acusaram o novo grupo de poder pós-
-Chávez de ter reconstituído “o pacto
com a burguesia” e reconstruído o capita-
lismo das elites. Eles acusaram Maduro
de falsificar o “Plano Pátria” original de
Chávez. Todos os que advogaram os prin-
cípios originários do chavismo foram ex-
purgados e perseguidos por Maduro.
Gustavo Márquez, ex-ministro do
Comércio Exterior e ex-embaixador,
denunciou várias vezes a falta de le-
gitimidade de Maduro. Afirmou que
Maduro e Juan Guaidó eram duas faces
da mesma moeda. Maduro e os generais
promoveram, segundo ele, a partilha do
bolo do petróleo entre empresas norte-
-americanas, a China e a Rússia. Mos-
trou que esse regime oligárquico apro-
funda o rentismo petroleiro e torna
“mais barato importar do que produ-
zir” ao estabelecer controles que des-
truíram a economia do país.
Os chavistas dissidentes afirmam
que a proposta original de Chávez era
humanista e que Maduro a destruiu,
consolidando um sistema corrupto ge-
rador de “miséria, fome, repressão, exí-
lio e tragédia”. De acordo com Héctor
Navarro, titular de quatro ministérios
no governo Chávez e amigo do ex-pre-
sidente, Maduro entregou o país nas
mãos de interesses estrangeiros. Ou se-
ja, o nacionalismo do atual presidente é
falso e mofado. Navarro foi destituído
do cargo quando Maduro assumiu. Ao
denunciar a corrupção, foi expulso do
partido. Com Maduro, afirmou, “a revo-
lução fracassou” e levou junto a esquer-
da latino-americana. Advertência em
boa medida verdadeira e não só comple-
ta por causa da lucidez de Pepe Mujica,
de Gustavo Petro e de Gabriel Boric,
carta capital