No TikTok, Kafka é tietado como um astro pop do tope de Harry Styles
SERGIO AUGUSTO
Se Gregor Samsa se transformou num inseto monstruoso, Franz Kafka virou um ídolo da Geração X, um improvável cult hero da mídia digital. E não de uma plataforma qualquer, mas do tentacular TikTok. Essa metamorfose foi explorada, com algum espanto, nas últimas semanas, ao sabor do centenário de morte do escritor checo, ocorrida em 3 de junho de 1924.
Só uma idólatra grega chamada Margarida Mouka já produziu 293.949 vídeos em torno de A Metamorfose, que, aliás, ela, confessadamente, leu e releu chorando. Outra, identificada como Ashling, montou um vídeo só com suas reações emocionais a imagens de Kafka, a quem uma terceira prometeu fidelidade eterna se não encontrar um homem à altura do ídolo.
Por que pensei primeiro em Carpeaux? Porque não conheci outro intelectual com mais intimidade e conhecimento de Kafka e seu entorno do que o grande crítico de origem austríaca, o primeiro a publicar um ensaio em português sobre o atual xodó do TikTok.
Carpeaux cruzou com Kafka por acaso em Berlim, numa tarde de 1921. O escritor era um ilustre desconhecido. Ao lhe ser apresentado no Romanische Café, ponto de encontro da boemia intelectual berlinense, entendeu Kafka dizer “Kauka” e ficaram só no “muito prazer”. A voz daquele “rapaz franzino, magro, pálido e taciturno” já estava embargada pela tuberculose que o mataria três anos mais tarde. Carpeaux detalhou o episódio num texto postumamente incluído em Reflexo e Realidade.
Ao pesquisar sobre os últimos dias do escritor, Carpeaux visitou até a clínica em que Kafka morreu, nos arredores de Viena, e ganhou de presente um exemplar da primeira edição de O Processo, tesouro que ainda era, em 1966, quando o visitei pela última vez, o maior orgulho de sua biblioteca, decepcionantemente pequena para o tanto que aquele polímata sabia.
ESTADÃO