Charadas Criminosas
Fenômeno no exterior e no Brasil graças a títulos
como A Mandíbula de Caim e Murdle, a onda dos
livros-jogos sobre mistérios policiais renova um velho
(e lucrativo) filão
AMANDA CAPUANO
EM UM DIA tedioso de 2021, o matemático americano
G.T. Karber — filho de advogados e neto de um investiga-
dor do FBI — estava em um café quando teve a ideia de um
enigma: em um guardanapo, descreveu um crime com
uma série de suspeitos, elencou dicas para encontrar o ver-
dadeiro responsável, além da arma e do local do crime, e
enviou a um amigo. Apaixonado por mistérios policiais,
ele criou, pouco depois, um programa de computador para
garantir que as dicas não tivessem furos e produziu uma
leva desses enigmas para o site Murdle — que foi vertido
no livro de mesmo nome, lançado recentemente no Brasil,
com 100 casos a ser solucionados. Protagonizada pelo de-
tetive Logicus, a obra tem também uma narrativa interli-
gada. “Além de resolver os enigmas, é possível desvendar
uma trama maior à medida que os casos vão sendo eluci-
dados”, explica Marina Ginefra, editora de aquisição da In-
trínseca, que publicou a obra por aqui.
Fenômeno no Reino Unido, com mais de 200 000 có-
pias adquiridas nos primeiros seis meses, Murdle está en-
tre os lançamentos mais vendidos da Amazon por aqui e é
o exemplar mais recente de uma safra de livros-jogos que
têm despontado em todo o mundo. Com temática crimi-
nal, essas tramas interativas imergem o leitor em um uni-
verso próprio, transformando a obra em uma espécie de
jogo de detetive, no qual quem lê é também jogador e in-
terfere ou desvenda a história com investigações e toma-
das de decisões. Lançado na Espanha em 2021, Crime
Ilustrados chegou ao Brasil este mês, pela editora Record,
e compartilha a premissa: é preciso resolver 27 casos ana-
lisando a cena do crime e seguindo uma série de dicas es-
palhadas pelas páginas — há, inclusive, recursos digitais
como QR code e áudios que auxiliam na investigação.
Apesar de ter voltado à tona há pouco, a união de li-
vros e jogos não é um fenômeno exclusivo da contempo-
raneidade: Agatha Christie, por exemplo, foi contratada
em 1930 para planejar uma caça ao tesouro para deteti-´]
ves, e os livros-jogos em si também têm precedentes.
“Houve ondas grandes deles nos anos 1970 e 80”, explica
Cassiano Machado, editor da Record — retrocedendo
ainda mais no tempo ao citar A Mandíbula de Caim (In-
trínseca). Resgatado em 2021 e alçado a fenômeno pelo
TikTok, o livro foi criado originalmente na década de
1930 pelo compilador de palavras cruzadas Edward Po-
wys Mathers. Impressa em ordem aleatória, a obra preci-
sa ter suas páginas reordenadas corretamente pelo leitor para que entenda o mistério e a história como um todo.
Só no Brasil, já vendeu 200 000 cópias.
Há ainda obras que seguem a linha do RPG, como O
Porão (Record), trama nacional de Vítor Soares e Gio-
vanni Arceno que bebe de tradição antiga. “O livro é
inspirado em uma coleção chamada Aventuras Fantás-
ticas (Fighting Fantasy), que chegou ao Brasil nos anos
1980 e é bem tradicional”, explica o historiador Soares
— que, além de coautor da obra, é apresentador do pod-
cast História em Meia Hora. Ambientado na ditadura
militar, O Porão vale-se de recursos como jogo de dados
e de uma narrativa não linear em que o leitor escolhe
qual decisão seguir e que página ler em seguida, deter-
minando os caminhos até o desfecho da trama. “Você
vai jogar com uma guerrilheira, a Samanta; sua missão
será adentrar o porão do Dops, resgatar uma pessoa e
sair de lá vivo”, diz Vítor.
Ao se afastarem da literatura de fato e se aproxima-
rem mais do entretenimento em definição mais ampla,
os livros-jogos exalam um apelo nostálgico que aproxi-
ma o leitor de um mundo analógico, como nos tempos
em que as poucas opções de lazer eram jogos de tabulei-
ro, sudokus e palavras cruzadas. “Tem a ver com o co-
meço do encantamento do ser humano pelas narrativas,
porque você está apelando para a fantasia e a imagina-
ção”, opina Machado, da Record. A visão é compartilha-
da por Marina Ginefra, mas ela destaca que há ligação
recorrente com o mundo digital. “Os livros interativos
funcionam como uma ótima alternativa para quem dese-
ja fugir das telas”, diz. “Mas eles também dialogam com
a cibercultura, e vemos isso tanto em A Mandíbula de
Caim quanto em Murdle”, destaca, explicando que o pri-
meiro explodiu no TikTok com “pessoas interessadas em
trocar ideias em busca da solução”, enquanto o segundo
nasceu de um jogo on-line. Nas páginas, todo mundo
quer — e pode — ser detetive.
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