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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    quarta-feira, maio 22, 2024

    Viva a criatividade brasileira!

     

     

    Uma ilustração vintage em tons de rosa retrata uma mão elegante segurando uma pena, que se funde com a imagem de uma árvore robusta, simbolizando a escrita como uma extensão orgânica da natureza, cercada por uma borda decorativa que evoca a sensação de uma tapeçaria clássica.
     

    Substantivos formados pelo encurtamento de verbos são um arraso 

     Sérgio Rodrigues

     

    No seu excelente livro "Assim Nasceu uma Língua" (Tinta-da-China), que resenhei para a Ilustríssima do último dia 5, o linguista português Fernando Venâncio apresenta um conjunto de palavras de criação brasileira, "e só em uso aí", cujo número chama de "muito assinalável".

    Trata-se de vocábulos em que nós —por sermos íntimos demais deles, acariciando-os todo dia com a língua e os dedos— tendemos a não pensar duas vezes. Mas vale a pena pensar, com a ajuda do olhar estrangeiro.

    Estamos falando de um tipo específico de palavra forjada no Brasil, entre as tantas aqui criadas por fatores exclusivos da nossa cultura, dos quais as contribuições de línguas indígenas e africanas são os mais notáveis. Nesse caso, a matriz é o velho português mesmo.

    A lista de Venâncio de que trato aqui reúne apenas brasileirismos que são deverbais regressivos. Oi? O nome soa difícil, mas aquilo que nomeia é fácil de entender, ainda que riquíssimo em termos morfológicos. Trata-se daqueles substantivos que são formados a partir de verbos, mas encurtando-os.

    Assim, se de arrombar se fez arrombamento, também se derivou outro substantivo indiscutivelmente mais charmoso —arromba. Este é o regressivo. Da mesma forma, apelar deu tanto em apelação quanto em apelo, batucar gerou a batucada e o batuque, e de preparar se desdobrou a dupla preparação e preparo.

    Os exemplos acima ajudam a compreender o processo de formação dessas palavras, mas é importante enfatizar que nem sempre o deverbal vem em pares. Há aqueles —os mais interessantes— que só têm a forma regressiva mesmo, como zanga, lampejo, recusa, recuo, compra, enguiço.

    A lista exaustiva dos deverbais regressivos da língua portuguesa não cabe nesta coluna. Mesmo que eles não continuassem a ser criados enquanto eu escrevo e você lê —e continuam—, seu número já seria grande o bastante para exigir espaço bem mais dilatado.

    Venâncio conta cerca de 60 compartilhados com o galego que nos pariu, os mais antigos, e outros mais de 200 exclusivos do português, aí incluídas as contribuições brasileiras. Que são as que me interessa destacar.

    Paquera, esculacho, fervo, vacilo, revide, xingo, sacode, desnorteio, racha (no sentido de cisão) e apronto são alguns dos regressivos que o linguista afirma serem coisas nossas.

    Escanteio também aparece ali, mas tudo indica que por equívoco. O Houaiss deriva o verbo escantear de escanteio e não o contrário. Ao conjunto inicial Venâncio acrescenta "os informais" agito, arraso, desbunde, flagra e transa.

    Dá para engordar a lista, não dá? Que tal pixo (do verbo pixar, grafia com que as ruas se apropriaram do velho pichar), arrego, aguardo, corre, chego, confere e... o que mais? O colunista aceita contribuições.

    O autor conclui o capítulo "Regressivos e criatividade brasileira" reafirmando sua tese —compartilhada por muitos linguistas dos dois lados do oceano— de que as variedades europeia e sul-americana da língua estão se distanciando de modo irreversível.

    Acrescenta que "Portugal dificilmente pode queixar-se dessa deriva centrífuga brasileira. Jamais desenvolveu uma política linguística nas suas colônias, mantendo-se sempre afastado do tipo de relação centralista que a Espanha adotou".

    Se eles não podem se queixar, por que nós deveríamos? No aguardo do racha definitivo, melhor do que pedir arrego é reconhecer que o agito do português brasileiro é um arraso.

    FOLHA 

     

     

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