Flotilha para Gaza (4)
THIAGO ÁVILA
Primeiro dia em Istambul
O corpo estava cansado da viagem, mas a vontade era tanta de conhecer as pessoas e começar o trabalho local de preparação pra a Flotilha da Liberdade que pulei da cama com o sol nascendo em Istambul.
Fui conhecer a sede da organização Mavi Marmara, bastante dedicada à solidariedade com a causa Palestina. Na Flotilha da Liberdade em 2010, foi justamente o barco da Mavi Marmara o primeiro atacado por Israel.
Naquela ocasião, da grande flotilha que navegava em direção a Gaza, vários barcos foram bloqueados no caminho e apenas seis conseguiram chegar mais próximos da zona marítima Palestina de Gaza.
O que vinha na frente, o Mavi Marmara, foi atacado por helicópteros e lanchas rápidas repletas de soldados israelenses.
Os relatos das pessoas que estavam nesse barco e nos outros é revoltante: o exército israelense atirava do alto dos helicópteros nas pessoas que estavam no convés do navio, enquanto das lanchas vinham os tiros que acertavam a cabeça de pessoas que iam para a grade tentar ver por onde o exército estava fazendo sua aproximação para tomar o barco.
Naquela noite 10 pessoas foram assassinadas a sangue frio, algumas já rendidas quando o exército sionista havia tomado o barco.
A tragédia de 2010 marcou muito todas as pessoas com quem converso aqui. Muitas das pessoas que zarparão com a gente na Flotilha rumo a Gaza também estavam ou possuem conhecidos que estavam em 2010.
De lá para cá, uma dúzia de edições aprimorou as táticas, os protocolos de segurança e nunca mais houve um assassinato pelo exército israelense nas expedições, embora tenha havido ataques, prisões, torturas, deportações e a tomada dos barcos e itens de ajuda humanitária.
É bonito ver pessoas que sobreviveram em 2010 e que estão tão dispostas quanto eu a ir nessa expedição. Compreendem que apesar do risco, é muito importante essa nossa ação e que não há risco maior nesse momento que o que o povo palestino está correndo em Gaza (e é neles que devemos nos inspirar).
É muito bonito ver que aqui ninguém se vê como heróis ou heroínas. Não é um lugar de ego individual, mas sim de responsabilidade coletiva (e uma rotina imensa de trabalho de preparação).
A nossa convicção política de que somos sujeitos e sujeitas ativas da história nos leva, necessariamente, à necessidade de organização para que se tenha mais gente (portanto, mais força). A tarefa de coletivizar para aumentar nosso potencial realizador nos ensina, ao longo da vida, a ter mais mentalidade servidora e atuar não em benefício próprio, mas por uma causa comum.
Tive o prazer de enfim conhecer pessoalmente o Fellipe, o único outro brasileiro que está comigo nessa jornada. Ele tem também cidadania portuguesa e é residente na Irlanda, de onde se juntou à Flotilha para coordenar a imprensa internacional na expedição. É uma pessoa fantástica, daqueles irmãos de alma que inspiram.
Quando não está na flotilha, Fillipe atua monitorando e ajudando no resgate de barcos de migrantes de África que afundam ou são atacados tentando chegar na Europa. O mesmo Mar Mediterrâneo onde ele faz esse trabalho humanitário tão importante e corajoso será agora nosso caminho inverso: da Europa para a Ásia Ocidental, onde fica a Palestina (e muita gente chama de Oriente Médio).