Extrema direita e neoliberalismo matam e ampliam destruição no RS
Meus irmãos ainda recolhem o entulho do que sobrou da casa em que vivi na infância e adolescência no Menino Deus, em Porto Alegre. Submersos havia dez dias, móveis, roupas, papéis, livros, quadros, eletrodomésticos formam agora uma montanha de rejeitos na calçada. Em frangalhos e com o fedor de podridão, a história dali vai junto com os destroços reunidos pelos vizinhos, muitos deles moradores do lugar desde os anos 1960, quando o bairro começou a tomar forma, com calçadas largas, plátanos, cinamomos, escolas.
Familiares e amigos ainda não sabem o que restou de suas casas. Nos históricos assentamentos do MST, pioneiros na produção orgânica na região metropolitana, as perdas de uma construção de 30 anos foram imensas: produção, animais, estoque, maquinário. Pequenos agricultores viram a enxurrada levar seus projetos, suas perspectivas de futuro. Nos abrigos, dezenas de milhares choram.
Como é praxe no Brasil, são os mais pobres, os negros que mais sofrem com a lama, o frio, a perda, a desesperança. Mais de 160 pessoas morreram; dezenas ainda estão desaparecidas.
Não precisava ter sido assim. As políticas neoliberais do governador Eduardo Leite (PSDB) e a voraz destruição realizada pelo prefeito bolsonarista Sebastião Melo (MDB) amplificaram em muito as consequências das chuvas. Submetidos aos interesses dos plantadores de soja, das construtoras e dos capitalistas que querem sugar tudo o mais rapidamente possível, o governador que posa de modernoso e o prefeito da extrema direita cumpriram um roteiro já bem conhecido: devastaram as leis de proteção ambiental, demoliram instituições públicas com privatizações, desmantelaram órgãos de planejamento e sucatearam criminosamente sistemas que defendiam a capital gaúcha de inundações.
Pior. Seguem com sua sanha predatória no meio da catástrofe. Têm pressa em entregar nacos do poder público a interesses privados, mirando negócios mirabolantes no processo de reconstrução.
Rapidamente, fecham acertos com consultorias que integram o esquema da extrema direita mundial, cujo histórico é de jogadas que beneficiam os mais ricos e descartam os mais pobres, jogando-os para longe dos espaços gourmetizados, colonizados e deslumbrados. Ignoram o conhecimento acumulado de cientistas, engenheiros, urbanistas que, principalmente nas universidades, estudam essas questões há décadas.
Não será surpresa se empresas estadunidenses ou suas aliadas
aparecerem para pegar os contratos de construção. Como se sabe, as
firmas nacionais do setor foram dizimadas pela Lava Jato, com assessoria
do Estado norte-americano, no processo do golpe de 2016 que culminou
com a chegada de
Jair Bolsonaro ao Planalto, a perda de soberania, a passagem da boiada e
a mortandade promovida na pandemia. A extrema direita, como já ficou
provado também no Brasil, faz o governo dos ricos, do salve-se quem
puder, do entreguismo, da violência, da morte.
Não é outro o desenho das alardeadas “cidades provisórias”. Elas desprezam as necessidades dos que não têm onde morar agora, transferindo-os para locais distantes, sem infraestrutura mínima, tirando-os da paisagem para, quem sabe, tentar incentivar o turismo em Gramado!
É sabido que boa parte da elite econômica do Rio Grande do Sul é de direita e flerta com o fascismo. O avanço da monocultura da soja reforçou o domínio dessa ideologia, que foi base da ditadura militar e do governo Bolsonaro. Seu rastro autoritário e reacionário acompanhou a expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e o Norte do país.
Agora, os mesmos que propagandeavam as maravilhas do livre mercado olham para suas perdas e correm para pedir socorro ao Estado, aquele espezinhado até anteontem e que trataram de esmigalhar para lucrar. Está cristalino que, sem a ação do Estado, resta o caos —o alvo maior da extrema direita.
Mas a população do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre já demonstraram que podem mudar. Lideraram transformações sociais e protagonizaram avanços. É possível começar a descartar o entulho da obscuridade que encharca com podridão as ruas da metrópole.
FOLHA