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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    terça-feira, abril 16, 2024

    O que voce fazia quando deram o golpe de 64?

     

    Sérgio Augusto

    Não me recordo se naquele fim de semana “deu praia”. Na véspera (sexta, 27), fechei a capa do Quarto Caderno do jornal e, embora pudesse ter ido ao recém-inaugurado Zicartola com Sérgio Cabral (pai), preferi visitar a namorada, no Posto 6.

    Eu, como de hábito e obrigação, escrevia. Fizera, na sexta, um texto sobre um golpe militar – não aqui, pois vidente nunca fui, mas nos EUA. Dali a semanas estrearia o thriller Sete Dias de Maio. Sem qualquer intenção provocativa, foi com aquela “conspiração em Washington” em sua primeira página que o 4.º Caderno do jornal chegou às bancas no domingo de Páscoa.

    A conspiração fardada daqui, além de real, transformara a redação numa tensa bolsa de apostas. “Vai ter golpe?” “Quando?” Em polvorosa, a mesma Marinha que, cinco décadas e meia antes, nos proporcionara a Revolta da Chibata e recentemente ostentou em seu passadiço um almirante golpista com nome de editora do século 19, ameaçava, naqueles idos de março, fazer do País um Potemkin tupiniquim.

    O Correio da Manhã, legalista, defendera a posse de Jango, três anos antes, mas julgava seu governo sem autoridade e anarquizado. Não faltava na cúpula do jornal quem, lacerdista ou não, conspirasse abertamente pela saída do presidente.

    Tarde da noite de segunda-feira, 30, fui, por acaso, um dos primeiros a ler, ainda em prova, o histórico editorial Basta!, no qual o jornal chutou, sem dó, o pau da barraca. “Isso vai dar merda”, comentei com o companheiro mais próximo, que não discordou de mim.

    E os primeiros tanques, insurrecionados por um xará do general Mourão, desceram de Juiz de Fora, mesma cidade mineira onde, 54 anos mais tarde, uma canhestra facada turbinaria a ascensão ao poder de um flagelo chamado Jair Bolsonaro.

    Quando sobreveio a quartelada, meu companheiro de redação Carlos Heitor Cony convalescia em casa de uma apendicectomia. De pronto reinstalado em sua coluna, resumiu à perfeição numa frase o que havia acontecido: “Foi um simples golpe de direita para a manutenção de privilégios”. E também para calar, prender, torturar e matar desafetos. Mas isto a gente só ficaria sabendo com a desgraceira já em andamento.

    ESTADÃO 

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