O bloco dos 50 graus
Até aqui foi fácil: bastava colocar uma fantasia — qualquer uma — e sair na rua animado. O calor humano, o confete e a cerveja quente dos blocos se encarregavam do resto. Qualquer um podia ser um folião, era só tocar pro gol. Moleza.
O aquecimento global acabou com a maré mansa.
Frequentar blocos vai ser coisa de Ferrabrás. Estamos no verão da sensação térmica de 50 graus, onde só a sombra, o ventilador e o ar-condicionado nos salvam. O carnaval de rua será terra de bravos.
Mesmo com toda a animação do mundo, com toda a ginga e malemolência cariocas, a perspectiva de ficar horas a fio saracoteando num calor de causar insolação em camelo é meio assustadora, até para o extrovertido mais saltitante. Veja bem, leitor, não quero desanimar ninguém, mas o folião de 2024 vai ter que ser acima de tudo um guerreiro.
Se você for um carioca privilegiado, habitué de listas amigas e pulseirinhas vip, pode se salvar num dos blocos secretos, que saem de madrugada numa ladeira deserta no Morro da Conceição ou num beco remoto na Gamboa. Desses que são anunciados de véspera nos mais exclusivos grupos de zap deste balneário.
Ali o calor nunca é problema, os coolers têm sempre Perriers e IPAs geladas e eunucos que ficam abanando os foliões com plumas de avestruz australiano. Nos blocos secretos os iPhones Maxi Pro Plus não correm perigo, e tem ambulância premium pra levar quem der PT para o CopaStar. Basta um cartão de crédito super premium, uma fantasia de crítica social cirúrgica e, claro, conhecer as pessoas certas.
Se você é uma pessoa comum, sem amigos influencers e que acorda tarde no carnaval, terá que encarar blocos tradicionais como o Simpatia, a Banda de Ipanema ou os megablocos do Centro. Aí só um espírito Highlander vai te manter vivo na canícula. Primeiro para encarar o zilhão de pessoas que teve a corajosa ideia de se aglomerar sob o maior calor na história do planeta. Depois, para não morrer de sede: terá que recorrer aos ambulantes e seus asseados isopores com silenciosas rodinhas de rolimã, que vendem uma insuspeita água mineral em imaculadas garrafas, cuidadosamente lacradas. Custa caro, mas o piriri vem barato. Não esqueçam dos gatunos de celular, que para eles não tem frio, calor ou qualquer tempo ruim. Uma vez que o truque de esconder o telefone nas partes ficou manjado, eles já sabem onde procurar o que querem. Teremos o assédio mezzo sexual, mezzo financeiro correndo solto.