Ato grande e previsível mostra Bolsonaro sem armas para a briga
Quando convocou o ato para se defender das acusações de ter tramado um golpe para se manter no poder, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou claro que tudo o que lhe interessava seria "a foto". Neste domingo (25), repetiu o enunciado.
E o conseguiu, como seria previsível para alguém que tem 25% da população bolsonarista convicta, uma fatia que não mudou de lugar durante um ano de revelações deletérias acerca de como seu grupo político de fato buscou rasgar a Constituição em nome do chefe.
Apesar da previsível multidão na avenida Paulista, um lugar conhecido por pontos comerciais em que pessoas fazem filas para tirar uma foto que durará dois segundos em rede social, Bolsonaro demonstrou neste domingo a exaustão de seus recursos.
O radicalismo do 7 de setembro de 2021, quando no poder de fato instigou uma ruptura tão séria que a política tradicional remanescente, leia-se centrão, veio em seu socorro só para se ver agora na mira da Justiça, foi um eco distante.
Um Bolsonaro tchutchuca, para ficar na provocação conhecida, apareceu enumerando platitudes acerca de seu governo. No máximo, um queixume contra a extensão da prisão dos manifestantes golpistas do 8 de janeiro e um choro sobre não concordar "que se tire adversário do cenário político".
O pitbull que chamou Alexandre de Moraes de canalha e prometeu nunca obedecer suas ordens, um mau agouro dado que será o ministro do Supremo quem deverá levá-lo à cadeia segundo o roteiro judicial em curso, sumiu. Prevaleceu um animal desdentado, chacoalhando uma gaiola com pombos orientados à docilidade.
Os falcões mal apareceram, com exceção delegada a Silas Malafaia. A organização de transporte e, principalmente, de manter o clima de um culto religioso ao ato, sem cartazes pedindo a cabeça de Xandão, como Moraes é chamado entre eles, ou de jornalistas, é um legado do pastor ao bolsonarismo que tanto lhe serviu.
Coube a ele nomear Moraes em suas críticas e repetir teorias conspiratórias sobre o papel de Lula (PT) no 8 de janeiro, mas também de fazer um questionamento que, tirado do contexto radical, não é absurdo, sobre o poder absoluto do Supremo no inquérito das fake news que acabou por mirar todo o bolsonarismo.
Mas o substrato do ato foi a falta de armas à disposição de Bolsonaro. O ato de 2021 assustou o mundo político e o Supremo e o 8 de janeiro soa algo farsesco; agora, gente com camisa da CBF é só motivo de piadas jocosas.
As provas deixadas para trás nos vídeos e mensagens ora em apuração pela Polícia Federal no escopo da ideia de golpe são muito mais contundentes. Se com a faca e o queijo do poder na mão nada enfim ocorreu, agora tende a ser lido como direito ao esperneio.
O que não retira interesse do principal ato falho da tarde. "Você não é um CPF, você representa um movimento de todos os que descobriram que vale a pena brigar pela família, pela pátria, pela liberdade", disse o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
Passadas poucas semanas de um evento em que esteve abraçado com Lula, o mandatário paulista novamente buscou o equilíbrio impossível entre ser um refém eleitoral de Bolsonaro, o que nunca deixará de ser, e o de ser um refém político, de que tenta se desvencilhar desde o começo do mandato.
Por óbvio, no palanque e abraçado com o padrinho, pagou a conta. Mas a citação ao CPF é duplamente reveladora. Primeiro, remonta a um termo policialesco mundo-cão adorado do bolsonarismo e já usado pelo próprio ex-presidente, que diz respeito ao "cancelamento do CPF" de bandidos, ou seja, seu assassinato nas mãos da polícia.
Se isso não fosse ruim o suficiente, lembra a quem quiser ouvir que Tarcísio estava lá, mas representando na sua visão apenas "uma ideia", não o ex-presidente a quem deve o cargo e que talvez em um ano esteja preso.
Menos sutil foi o prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB), que tem uma eleição dura contra a esquerda apoiada por Lula na figura de Guilherme Boulos (PSOL) em outubro. Ele passou por lá porque afinal refém eleitoral do bolsonarismo todos o são, mas nem deu as caras no microfone.
Nada disso, na leitura histórica e talvez na
eleitoral, irá livrar qualquer pessoa presente na Paulista da acusação de
apoiar uma pessoa tentando se defender de golpismo explícito. Bolsonaro mostrou
que tem muita gente a seu lado, mas também que elas pouco podem fazer ante o
caminho traçado à sua frente.
FOLHA