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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    sexta-feira, janeiro 19, 2024

    A TÁTICA DO INELEGÍVEL

     A tática do inelegível

      
    ANA CLARA COSTA

    Desde que Lula assumiu a Presidência da República e apresentou sua pauta econômica, a reforma tributária tornou-se uma questão de vida ou morte – para Jair Bolsonaro. O assunto nunca despertou seu interesse pessoal, mas ele avaliava que sofreria um revés humilhante, caso o governo petista fosse capaz de construir um consenso mínimo no Congresso Nacional e ainda aprovar a reforma já no primeiro ano de gestão. Logo ele que vendeu ao mercado a promessa de que faria tudo – a reforma da Previdência, a reforma tributária, a reforma administrativa – e encerrou seu mandato aprovando apenas a previdenciária, e a duras penas. Bolsonaro mandou às favas os escrúpulos fiscalistas de seu ministro Paulo Guedes e furou o teto de gastos cinco vezes, mas, ainda assim, uma vitória do PT num tema tão complexo como tributos seria aviltante.

    Tanto mais que o ex-presidente se empenhou no assunto durante seu governo. Como a reforma tributária mexia nos ganhos de grande parte da elite nacional, Bolsonaro chegava a despachar sobre o tema diretamente com seu primeiro secretário da Receita, Marcos Cintra, que se debruçara sobre os tributos desde a campanha eleitoral. Criou-se até uma distorção dentro do ministério de Paulo Guedes: havia dois grupos discutindo textos diferentes – um de Cintra e outro de Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados. Maia não tinha simpatia por Cintra e preferia a proposta de reforma desenhada pelo economista Bernard Appy, que hoje integra a gestão de Fernando Haddad. 

    O sentimento de humilhação de Bol-
    sonaro, segundo o relato de alguns de seus
    interlocutores, começou a tomar corpo no
    início de novembro, quando uma primei-
    ra versão da reforma passou no Senado – e
    o texto-base era aquele de autoria de Ber-
    nard Appy. Depois de um ano quase intei-
    ro recluso em razão dos temores penais,
    Bolsonaro decidiu encerrar a quarentena.

     
    Em outubro, já estava articulando contra
    a reforma discretamente, mas no mês se-
    guinte ficou mais desinibido. Em 8 de
    novembro, o jornal O Estado de S. Paulo
    publicou uma mensagem em que Bolso-
    naro cobrava o apoio do senador Nelson
    Trad Filho (psd-ms): “Trad, você amanhã
    será decisivo para derrotarmos a reforma
    tributária.” Trad votou a favor.

     
    Até então, as articulações da direita
    contra Lula vinham sendo tocadas à meia-
    luz nos bastidores por Arthur Lira (pp-al),
    o presidente da Câmara. Lira é a melhor
    encarnação do que o cientista político
    Marcos Nobre chamou de “Centrão sem
    medo”, no artigo Pega, mata e come
    (piauí_204, setembro 2023) – o “Centrão
    sem medo” é aquele bloco que, em nome
    de seus interesses, está disposto a aderir a
    qualquer lado, inclusive o da extrema di-
    reita, mas anda cansado de exercer o papel
    de coadjuvante. Agora e cada vez mais,
    com a fome de um carcará, seu objetivo é
    o poder – sem intermediários.

     
    A reforma tributária em sua versão
    definitiva foi aprovada em segundo turno
    na Câmara por 365 votos a 118, no dia
    15 de dezembro. “Um fato histórico”,
    comemorou Lula. E Bolsonaro engoliu
    o sapo. Mas sua volta ao jogo público, que
    começou a tomar forma ainda antes das
    articulações contra a reforma, animou o
    presidente do Partido Liberal, Valdemar
    Costa Neto. Até o canal do YouTube
    de Bolsonaro estava sendo melancolica-
    mente pautado por Lula. Sempre que o
    presidente inaugurava uma obra, a equi-
    pe corria para colocar um vídeo antigo
    dizendo que tudo havia começado no
    governo anterior. Agora, retomou a pos-
    tagem de registros de suas andanças e
    ataques ao governo, como no caso da in-
    dicação de Flávio Dino para o Supremo
    Tribunal Federal.

     
    Na versão sem medo, Bolsonaro vol-
    tou a organizar recepções na sua chega-
    da em aeroportos do interior, apoiar
    candidatos ao pleito de 2024 (como Ri-
    cardo Salles, que quer ser prefeito de São
    Paulo) e até voou de helicóptero sobre
    cidades inundadas em Santa Catarina na
    companhia do governador aliado. Tam-
    bém deu para aparecer de surpresa nos
    lugares – em eventos de Michelle e até em
    encontros oficiais, como aconteceu na
    reunião do embaixador de Israel, Daniel
    Zonshine, com parlamentares da direita,
    para discutir o conflito entre Israel e o
    Hamas. Ali, era o puro suco de Bolsona-
    ro, tentando faturar sobre uma tragédia.
    Fabio Wajngarten, assessor informal
    de Bolsonaro com alguma influência en-
    tre os membros da comunidade judaica,
    achou que seria uma boa ideia infiltrar
    o ex-presidente na reunião na Câmara.

     
    O embaixador Zonshine queria apresen-
    tar vídeos dos ataques do Hamas aos
    deputados, no intuito de pressionar indi-
    retamente o governo Lula a marcar uma
    posição mais crítica aos ataques. Wajngar-
    ten articulou o encontro com o pl, e Bolso-
    naro apareceu na última hora. A reunião
    deve inviabilizar a permanência do em-
    baixador no Brasil, sob a suspeita de ul-
    trapassar os limites da diplomacia para
    fazer política, mas reforçou a posição
    pró-Israel de Bolsonaro, gerando simpa-
    tia até em parte da comunidade judaica
    que havia votado em Lula.

     
    Os movimentos de Bolsonaro deixa-
    ram o Palácio do Planalto em aler-
    ta. Em parte por isso, o governo se
    empenhou em promover um ato tão ba-
    rulhento, com a presença de tantos mi-
    nistros, para receber os brasileiros que
    voltavam da Faixa de Gaza, resgatados
    pela equipe do Itamaraty. Era uma for-
    ma de evitar que Bolsonaro tentasse ca-
    pitalizar a chegada do grupo ao país.
    No final da disputa, ele ganhou a bata-
    lha dentro de parte da comunidade ju-
    daica, mas não levou a de Gaza. Logo,
    voltou suas atenções para a Argentina,
    que, naquela altura, se preparava para a
    eleição presidencial.

     
    O ex-presidente se envolveu pessoal-
    mente na campanha do direitista Javier
    Milei. Filmou a conversa em que parabe-
    nizou Milei pela vitória e, depois, compa-
    receu à posse do novo presidente (à qual
    Lula não foi) e fez outra aparição de sur-
    presa – desta vez, tentou se infiltrar na foto
    oficial dos presidentes presentes à posse de
    Milei. Foi barrado. O triunfo de Milei re-
    força, na avaliação de Bolsonaro, que no
    mundo de hoje não há mais lugar para a
    “esquerda”. Ele está convicto de que Do-
    nald Trump ganhará a eleição deste ano e
    que, junto com Milei, ajudará de algum
    modo a favorecer a extrema direita no Bra-
    sil, ainda que ele próprio esteja fora do
    páreo, já que inelegível até 2030.

     
    A convicção do ex-presidente, ainda
    segundo aqueles que o cercam, tem fun-
    cionado como uma evitação mental do
    que o futuro lhe reserva. Bolsonaro acre-
    dita que, de fato, acabará sendo preso
    por sua atuação golpista, mas acha que
    precisa mostrar dentes e músculos. Já foi
    alertado nos bastidores de que a delação
    de Mauro Cid, seu ajudante de ordens
    no governo, não deverá ter uma prova
    substancial que o coloque como artífice
    do 8 de janeiro, mas, mesmo assim, acha
    que será condenado porque seu caso está
    sendo avaliado por um “tribunal políti-
    co”. Incensar a militância neste momen-
    to, portanto, é providencial.

     
    Na Justiça, afinal, as perspectivas efe-
    tivamente não lhe são animadoras. As
    primeiras condenações dos bolsonaristas
    que participaram da intentona golpista
    têm se aproximado dos vinte anos de ca-
    deia. A expectativa é que essa dosimetria
    seja ainda mais severa para o caso dos
    artífices. O stf, neste momento, está ca-
    librando o calendário: não quer uma
    condenação tão rápida que transforme
    Bolsonaro em vítima, nem tão lenta que
    lhe dê tempo para fortalecer os múscu-
    los e arreganhar os dentes.  

    PIAUI

     

    ilustRAÇÃO allan sieber


     

     

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