Não é coincidencia: é projeto

 

 de Lilia Schwarcz

Sempre me impressiona a capacidade que temos de naturalizar atrocidades e fazer tudo funcionar numa pretensa normalidade. Faz algum tempo que lemos sobre o perigo que corre Maceió e assistimos impávidos à desgraça alheia que em geral se abate por sobre os menos privilegiados.

Sinal de que “a coisa vai mal” apareceu faz pouco tempo. A Braskem cancelou sua participação na Conferência Climática da ONU, a COP28, justificando que “a crise em Maceió se agravou”. Regiões inteiras da capital alagoana estão sob risco de desabamento devido à possibilidade de colapso em uma das minas de extração de sal-gema da empresa. Em nota à Reuters, a companhia alegou que “achou melhor cancelar sua participação em alguns painéis para evitar que o assunto sobrepujasse quaisquer outras discussões técnicas, dificultando eventuais contribuições que a empresa pudesse oferecer”.

Não entendi? Como é que o “assunto”. Poderia não “sobrepujar” outras discussões. Qual a separação entre “discussões técnicas” e humanas?

E para deixar claro como está pisando em terreno no mínimo inseguro, o presidente executivo da Braskem, Roberto Bischoff, declarou nesta segunda-feira, 4, que existe a possibilidade de acomodação do solo na área de mina 18, que está em risco de colapso, mas que não é possível afirmar qual será o resultado. Já a Defesa Civil de Maceió afirmou em nota que a cidade permanece em “alerta máximo” com “risco iminente de colapso” da mina 18, localizada abaixo do bairro de Mutange.

Enfim, tudo em risco e nada assegurado. A tragédia está logo à nossa frente e as imagens andam cada vez piores. Mas continuamos seguindo a tese de reagir ao imediato e negar o que é previsível. Faz parte do nosso tempo a insensibilidade diante dos desastres alheios e da dor que não é minha. Não entendi a parte do programa que pede “esperar” para ver o que acontece. Se algo acontecer não será coincidência; é projeto.