Lula repete Mano Brown e diz que PT precisa voltar às bases
Bernardo Mello Franco
Faltavam cinco dias para o segundo turno. Sob os Arcos da Lapa, Fernando Haddad fazia o último ato de campanha no Rio. O palanque estava repleto de artistas, de Chico Buarque a Caetano Veloso. Os discursos exaltavam o petista e prometiam uma virada nas urnas. Foi quando Mano Brown assumiu o microfone com cara de poucos amigos.
“Não gosto do clima de festa”, iniciou o rapper. “Não tá tendo motivo para comemorar”, prosseguiu. “Não estou pessimista, sou realista”, acrescentou.
A plateia ensaiou uma vaia, mas Brown continuou a cutucar a ferida. “Se a comunicação do pessoal daqui falhou, vai pagar o preço. Se não tá conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”, disse.
“Deixou de entender o povão, já era”, vaticinou o rapper. “Partido do povo tem que entender o que povo quer. Se não sabe, volta para a base e vai procurar saber”, finalizou.
O discurso deixou o ato com clima de velório. No domingo, as urnas deram razão a Brown. Jair Bolsonaro se elegeu presidente com mais de 10 milhões de votos de vantagem. Com Haddad derrotado e Lula preso, o PT vivia seu pior momento.
Passados cinco anos, o partido está de volta ao Planalto. Mas o clima não parece inspirar muito otimismo. Na noite de sexta, os petistas se reuniram para discutir as eleições municipais. Ao discursar, Lula fez eco às palavras de Brown em 2018.
“Este partido precisa voltar um pouco a ser como era no começo, para a gente reconquistar a credibilidade”, disse. “O dinheiro pesa, mas o trabalho de base não tem dinheiro que compre. E nós precisamos voltar a fazer trabalho de base”, cobrou.
O presidente fez uma rara autocrítica em público. Sugeriu que o PT se distanciou dos trabalhadores e se acomodou às facilidades do poder. “Hoje ninguém quer fazer campanha sem dinheiro”, lamentou. “Não podemos ter candidato querendo comprar apoio de líder de bairro. O apoio a gente conquista indo para o bairro, indo para a rua. Sempre foi assim. Por que está difícil?”, questionou.
Algumas respostas apareceram na própria fala de Lula. “A classe operária já não é mais a mesma. O emprego já não é mais o mesmo”, admitiu o presidente. Ele também citou a dificuldade de “chegar aos evangélicos”, que se mantêm fiéis a Bolsonaro. “Precisamos aprender a construir um discurso para falar com essa gente”, afirmou. A barreira é confirmada pelo Datafolha. Entre os católicos, a reprovação ao presidente é de 28%. Entre os evangélicos, salta para 38%.
Petistas reconhecem que este não é o único desafio para 2024. Pela primeira vez, a sigla não lançará candidato próprio em São Paulo. Na última tentativa, amargou um vexatório sexto lugar, com 8% dos votos. Em 2020, o partido registrou seu pior desempenho em eleições municipais desde a redemocratização. Não conseguiu vencer em nenhuma capital do país.
Na sexta, Lula fez mais perguntas aos companheiros: “Será que estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Será que estamos tendo competência para convencer o povo das nossas verdades? Ou será que a gente tem que aprender com o povo como é que fala com ele?”.
O GLOBO