A Grande Guerra
LEANDRO DEMORI
Olá,
Nossa percepção sobre os acontecimentos está radicalmente mudando por causa da tecnologia. Lembram desta foto?
Ela é a imagem que mudou a guerra. Antes da sua publicação, a percepção dos cidadãos estadunidenses sobre a invasão dos EUA ao Vietnã era vista majoritariamente como positiva. A fotografia, enviada ao mundo pelo serviço da agência de notícias Associated Press, mostrou que o exército estava massacrando crianças inocentes. Antes dela ganhar a capa de jornais e revistas em dezenas de países, os EUA transportavam mais de 600 jornalistas de todo o planeta junto com suas tropas, convidados que acordavam e dormiam com os soldados e que contavam apenas o lado supostamente heróico dos invasores.
O que vemos hoje é uma deturpação do conceito de transparência capturado pelo fotógrafo Nick Ult. Se a fotografia feita por ele na Estrada 1, entre Saigon e Phnom Penh, era um cru e realista retrato da guerra – ela representava de fato o que acontecia no teatro de operações – hoje vemos imagens em profusão que contam uma versão recortada do conflito.
A todo momento somos atingidos por conclusões imediatistas da história e gostamos dessas conclusões, as compartilhamos, elas nos trazem o alívio imediato de quem vê um problema resolvido por mágica. Você não sabe quem é o mocinho da história? Tome aqui esta pílula de Twitter. Precisa de alguém para culpar? Duas gotinhas de YouTube, pela manhã e à noite, e seus problemas estão resolvidos. Uma lógica que alimenta bilhões de pessoas cheias de certezas fugazes, tomando decisão com base em junk food para as mentes. Nossos cérebros estão virando uma prateleira de conclusões enlatadas.
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Há uma guerra pela informação através do uso de redes sociais e ela não serve apenas para alimentar egos, likes e contas bancárias no desregulado sistema das plataformas digitais. Ao fim de todo esse processo, a versão vencedora ajudará a sabermos se a pressão mundial levará gente aos tribunais ou ao panteão da pátria.
Não é pouco o que está em jogo neste momento, e é este o motivo de Israel ter cortado acesso à internet em Gaza, mantendo apenas um emissor no mercado da opinião, o próprio estado israelense. Em suas redes sociais, apoiado por parte esmagadora da imprensa comercial, Israel cria um consenso dentro da simplificação entre vítima e algoz, ignorando contextos e nuances. Como em uma loja de conveniências, somos levados aos produtos que interessam à loja, não a nós mesmos.
Nada é por acaso. Não é de hoje que a ciência nos alerta: nossa capacidade de atenção foi evaporada pelo uso contínuo de redes sociais. Queremos muita informação, queremos agora – e sobretudo, queremos uma conclusão curta, simples e viral. Estamos viciados em respostas fáceis para problemas complexos, cenário fértil para que – no fim de um imenso processo informacional – a população mundial saia paradoxalmente muito mais informada sobre o assunto e também muito mais ignorante sobre o conflito. É de propósito. Estamos sendo entupidos de informação como aves entupidas de comida, e isso em nada tem a ver com nos manter bem alimentados. Eles desejam apenas nossa esteatose hepática e, no fim, aproveitar nosso fígado (ou nosso cérebro) para fazer patê.