Artistas em pânico
José Eduardo Agualusa
Um grupo de 17 escritores avançou esta semana com um processo contra a OpenAI, por “roubo sistemático em larga escala”. No grupo, há desde autores de bestas céleres — para recordar uma divertida expressão do poeta português Alexandre O’ Neill —, a escritores respeitados, com leitores exigentes, como Jonathan Franzen.
Não é a primeira vez que escritores tentam processar empresas de IA e, certamente, não será a última. Nos últimos meses, a IA tem vindo a ser muito utilizada para produzir ficção, baseando-se para isso em milhões de obras literárias disponíveis on-line. A Amazon, entre outras empresas de comércio on-line, já disponibiliza largos milhares de títulos redigidos, em rápidos minutos, com o auxílio da IA.
Contudo, parece-me muito difícil acusar a IA, ou os autores que dela se servem, de plágio. Regra geral, a IA copia o estilo, não se apropria de frases ou de enredos. Ou seja, faz o mesmo que qualquer escritor em início de carreira: devora, assimila e recria. Até aqui nada de novo.
Estes processos contra empresas de IA, que dificilmente levarão a algum lado, denunciam sobretudo o pânico de muitos escritores, tradutores, artistas plásticos e outros criadores.
As obras de alguns dos 17 escritores referidos acima poderiam ter sido escritas por uma geladeira inteligente, dessas que sugerem receitas e avisam os proprietários que precisam repor o iogurte. Os autores de bestas céleres, sim, têm razões para recear a concorrência da IA. Jonathan Franzen, não.
O mesmo se aplica aos artistas plásticos. Os bons utilizarão os recursos da IA para produzir obras ainda mais audaciosas, inquietantes e questionadoras. Os medíocres, os acomodados, os que estão ao serviço dos mercados, esses serão substituídos pela IA, e ninguém dará pela diferença. Talvez até já tenham sido.
Tenho medo de terremotos e de patinetes elétricos; tenho medo de perder o passaporte quando estou em trânsito, num aeroporto remoto; tenho medo de aranhas, escorpiões e louva-a-deus; tenho medo de burocratas e de impostos; tenho medo dos devotos, dos beatos, dos que nunca têm dúvidas, dos que nunca tiveram um desgosto de amor, das pessoas que não gostam do Chico Buarque, das que apreciam pastel de bacalhau com queijo e das que colecionam armas de fogo. Mas não, não tenho medo da IA.
No dia em que um texto produzido por uma IA me comover até às lágrimas, ou me fizer rir tanto quanto um livro do Luís Fernando Verissimo, aí darei o braço a torcer. Talvez até sinta um pouco de medo de que o meu tempo, enquanto escritor, tenha chegado ao fim. Provavelmente, sentirei muito pavor dessa nova sociedade, capaz de prescindir da criatividade humana.
Isso, contudo, não deverá acontecer tão cedo. Quando acontecer, a IA já terá alcançado alguma coisa parecida com a autoconsciência. Estaremos então discutindo se é uma entidade viva, se tem alma, e se deve ou não se beneficiar dos mesmos direitos que qualquer um de nós. Incluindo os direitos de autor.
O GLOBO