Lula opera guerra de nervos com Lira de olho na sucessão da Câmara
Malu Gaspar
Já fez “mesversário” a negociação para a entrada da trupe de Arthur Lira no governo Lula. A conversa começou animada e com o PP confiante, reivindicando uma cesta de cargos em que o Ministério da Saúde ocupava o topo das prioridades. Lula mandou dizer que nada feito. A pretensão foi mudando, e agora o partido quer a presidência da Caixa e mais um ministério, de preferência o do Desenvolvimento e Assistência Social. Nos dois casos, os nomeados seriam parceiros incondicionais do presidente da Câmara: a ex-deputada federal Margarete Coelho, do PP do Piauí, que iria para o banco estatal, e o deputado André Fufuca, do PP do Maranhão, a quem caberia o ministério.
Depois de um julho de muita conversa e telefonemas entre Lula e Lira intermediados pelo ministro Alexandre Padilha, o Congresso voltou do recesso contando que o chefe do Centrão e o do Planalto se reuniriam logo nos primeiros dias de agosto para desfazer o impasse. Pois agosto começou, os parlamentares desembarcaram em Brasília, Lula analisou as propostas de Padilha para acomodar os interesses de todos na reforma ministerial e… nada aconteceu.
O presidente atrasou quanto pôde a conversa com Lira, prometida para hoje, e vem fazendo mistério sobre como pretende acomodar o Centrão no governo. Contrariado, o presidente da Câmara convocou na terça-feira uma reunião de líderes com a presença dos petistas Zeca Dirceu e José Guimarães para dizer que, enquanto as trocas na Esplanada dos Ministérios não forem definidas, não se vota nada na Câmara. Auxiliares contam que Lula se irritou. Mas, em público, deu de ombros, enquanto os nervos de aliados de Lira fritavam nos bastidores.
Pode-se classificar essa demora de muitas maneiras, menos como hesitação. Lula não gosta de Lira e gosta menos ainda da ideia de ser seu refém político. Antes mesmo da posse, convencido de que não tinha poder para derrotá-lo na eleição para a presidência da Câmara, aceitou não lançar um candidato alternativo para não pôr em risco a aprovação da PEC da Transição. Considera, porém, que pagou caro pela decisão — a criação das CPIs do 8 de Janeiro e do MST e a derrota na tentativa de mudar o marco do saneamento são parte da fatura — e não quer continuar pendurado em Arthur Lira para sempre.
Para se livrar desse fardo, Lula precisa primeiro demonstrar ao Congresso que o poder de Lira tem limites e que quem os define é ele, o presidente da República. Não foi por outra razão que Lula já disse mais de uma vez que “o Centrão não existe” e afirmou também que só conversa sobre mudanças em ministérios com os presidentes de partidos — e não com “esse amontoado que vocês chamam de Centrão”. Um claro recado para Lira, que maneja com orgulho e mão firme o tal “amontoado”.
Esse movimento é essencial para fazer deslanchar a segunda etapa da estratégia — criar condições para que o governo tenha um aliado disputando a sucessão de Lira em 2025, quando termina seu mandato. Candidatos não faltam, e o Planalto está avaliando todos eles. Nos bastidores, auxiliares próximos de Lula não escondem que a escolha dos novos ministros levará em conta o fator Câmara.
Lira, por sua vez, não pode mais disputar a reeleição, mas precisa garantir que um aliado ocupe seu lugar. Sem controlar a distribuição de emendas e votações importantes, ele fatalmente deixará de ser o todo-poderoso do Congresso para ser mais um no “amontoado”. Isso pode tornar muito difícil, e talvez inviável, seu plano de concorrer ao Senado por Alagoas em 2026 contra o clã do arquirrival Renan Calheiros, pai do ministro dos Transportes e aliado histórico de Lula.
Lira não ignora o jogo do presidente da República, mas já topou entrar nele. Tratou de enviar seus próprios recados na entrevista que deu ao “Roda viva” na última segunda-feira. Primeiro, disse que quem garante os votos do PP para as pautas de interesse do governo é ele, e não Ciro Nogueira, presidente do partido e ex-ministro de Jair Bolsonaro. Depois, disparou:
— A (minha) sucessão não está aberta. O primeiro que botar a unha de fora vai arrumar problema comigo, porque eu nunca fiz isso com ninguém, não é justo. Nós ainda temos um ano e seis meses para o fim do mandato de presidente da Câmara. Nós vamos exercer.
O desafio está lançado, e o embate é inevitável. Do resultado depende o destino de Lula e Lira — e, por tabela, o nosso.