Publicitário não tem amigo
Arnaldo Branco
Tem aquela piada clássica que diz que pessoas que trabalham em determinadas profissões só se reproduzem em cativeiro. Um jornalista, por exemplo, é obrigado a casar com outro porque só jornalista entende como funciona a escala de plantão da categoria. A mesma coisa acontece com médicos, sem falar no fato de pouca gente compartilhar o senso de humor mórbido típico da classe. Mas se existe um meio onde esse hábito é particularmente nocivo é no mundinho da publicidade.
Não é só um fenômeno conjugal: a grade horária abusiva que obriga esse povo a praticamente morar na agência impede que seus pares tenham qualquer tipo de relação social com alguém que não seja publicitário. E é por essas e outras que os caras lançam uma campanha completamente idiota contra o racismo chamado “somos todos macacos” — eles não tem um amigo fora do meio pra avisar que a ideia é simplesmente horrorosa e ficam se parabenizando antes da parada ir pro ar e tomar uma merecida chuva de tomate.
Só um corporativismo doentio incentivado pelo convívio forçado explica coisas como o festival publicitário de Cannes, onde existem quase mil categorias pros caras distribuírem prêmios entre si e onde você pode criar uma peça fictícia para um cliente que nunca te contratou só pra concorrer a um troféu que praticamente todo mundo vai ganhar, como se fosse um certificado de participação.
Toda essa introdução é para falar da nova polêmica proporcionada pela falta de noção da turma da publicidade, a propagada de kombi estrelada pela cantora Maria Rita com sua falecida mãe Elis Regina, graças a uma reprodução feita por AI que ficou com pinta de filtro programado às pressas do instagram. E ainda por cima com o uso de uma das músicas detentoras do recorde de citação fora de contexto, “Como nossos pais” (do Belchior), que diz com todas as letras que a vida é uma merda, que a rebeldia é uma pose e que a gente está condenado a repetir as cagadas cometidas por nossos progenitores até a morte.
Mas diferente da campanha dos macacos essa obra de gosto duvidoso teve muitos defensores fora das quatro paredes da agência. Várias pessoas sem relação com o metiê e aparentemente normais postaram muitas vezes algo como “quem não se emocionou está morto por dentro”, sem atentar para o fato de que ficar comovido por um vídeo feito para vender o veículo mais desconfortável do mundo e que depois de uma repaginação entrou também para a lista dos mais feios é esquisito pra cacete.
Outro argumento muito usado por quem gostou é “a família liberou” como se tivessem autorizado o uso de imagem da cantora para levantar fundos para as crianças da UNICEF e não para vender um trambolho semi-obsoleto movido a combustível fóssil e encher cu de acionista com um dinheiro que nem cabe mais lá. Eu acho que a principal interessada deveria ter direito a uma palavrinha, nem que fosse por sessão espírita.
Essa semana um grupo de senadores mandou para o Lula uma proposta muito pertinente para acabar com pensão extorsiva que as filhas de militares recebem. Eu queria sugerir uma outra, determinando que os direitos autorais e de imagem de um artista sejam enterrados com ele.
CONFORME SOLICITADO
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