Não apenas gibi é literatura como vou bater com um volume completo de “Bone” na sua cabeça
JOAO LUIS JR
E daí que o quadrinista Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, se candidatou a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Responsável por personagens que já cruzaram todas as mídias e venderam mais de 1 bilhão de exemplares em 60 anos, o homem que não apenas ficou rico como moldou a infância de diversas gerações através do hábito de ficar desenhando os próprios filhos em HQ, oficializou sua intenção de buscar o assento da ABL que foi de Cleonice Berardinelli, falecida no começo deste ano.
Uma barbada, certo? Afinal, Maurição tem uma vasta obra, que impactou em muito a cultura brasileira, sempre teve posições um tanto quanto conservadoras e já é até mesmo membro da Academia Paulista de Letras, onde, em 2013, se tornou o primeiro autor de gibis a ser empossado pela entidade, comprovando que mesmo as entidades mais anacrônicas não conseguem negar o brilhantismo do homem responsável pela criação do personagem Bugu (“alô mamãe!”).
Quer dizer, algumas entidades conseguem sim. Isso porque segundo pessoas bem informadas sobre o bastidores da Academia Brasileira de Letras, Maurício, apesar de bem visto pelos integrantes da casa, não teria grandes chances na disputa pois o filólogo Ricardo Cavaliere já teria o endosso de Evanildo Bechara, um dos principais filólogos do país e que, aos 95, desejaria fazer seu “sucessor” na academia, confirmando a terceira regra do clube da filologia, que é “filólogo sempre ajuda filólogo” (as duas primeiras regras, obviamente, são “você não fala sobre o clube da filologia”).
Mas mais do que realizar qualquer crítica aos critérios ou a lógica da ABL - não vamos aqui cair no buraco do antiacademicismo e negar o valor de muitos membros da Academia, mas também não vamos ignorar o fato de que são idosos de roupinha comandados pelo Merval Pereira que negaram uma vaga para o Martinho da Vila - ou discutir os méritos de Maurício de Sousa - um gênio das HQs que também já lançou edição onde a Mônica anda de mão dada com policial da ROTA, uma das tropas que mais matam na polícia de SP - é peculiar ver como o debate, que era sobre a ABL e Maurício, se tornou, para alguns, uma discussão sobre os méritos dos gibis enquanto arte.
Isso porque o jornalista James Akel, uma espécie de Padre Kelmon da eleição para a ABL, não apenas declarou que quadrinhos não são literatura e sim "entretenimento", como posicionou sua candidatura como uma espécie de oposição a candidatura do pai da Mônica. Autor da ilustre obra “Marketing Hoteleiro com Experiências”, de 2001, o jornalista também defende posições igualmente fascinantes como “a ditadura tinha razão” e “quem foi torturado mereceu”, entre outras coisas.
E ainda que cause um certo nível de alívio poder discutir se quadrinhos são literatura após debater nos últimos anos se “vacina realmente funciona” ou “são mesmo os índios que estão incendiando a floresta”, não deixa de ter algo de muito ridículo em precisar, no ano de 2023, discutir se a forma de arte que já deu ao mundo “Maus”, “Fun Home”, “Sandman” e esse painel aqui merece, ou não ser tratado com respeito.
Porque ainda que Mauricio de Sousa, como boa parte das grandes figuras da nossa história, misture sim genialidade com decisões um bocado questionáveis, e ainda que a Academia Brasileira de Letras, como grande parte das nossas instituições, exerça seu papel da maneira mais caótica e anacrônica possível, não tem mais cabimento nem mesmo, no campo das hipóteses mais loucas, questionar a importância dos quadrinhos, sejam como mídia, como forma de arte, ou como único ambiente, até hoje, onde foi retratado um homem dinossauro dizendo para um homem fantasiado de aranha que não quer curar doenças graves e sim transformar pessoas em dinossauros.
Coisa assim importam, e não podemos aceitar que alguém ainda finja que não.