A historia dos vencidos
"Recentemente, fui visitar meu amigo na Avenida Paulista e ele não estava lá. Ninguém, ao redor de seu endereço, sabia seu paradeiro. Tinha desaparecido da minha paisagem tão familiar.
Acontece que seu endereço não era o
de um prédio ou de uma loja. Era uma
barraca na calçada, dessas que uma ONG
teve a excelente ideia de distribuir para
moradores de rua. Meu amigo, cujo nome
nunca me ocorreu perguntar, não mora-
va só. Como também acontece com mo-
radores de rua, vivia com seus cachorros.
Cinco. Só me lembro do nome de uma de-
las: Vaquinha. Hoje, percebo, consterna-
da, que também nunca perguntei o nome
do próprio dono dos cãezinhos! Quando
eu passava por ali, pedia dinheiro ape-
nas para comprar comida para os bichos.
Mas, além de ajudá-lo com a ração barata
dos seus bichinhos, eu também compra-
va, no bar atrás de sua barraca, um pas-
tel de carne e um de frango. A exclama-
ção de prazer com que ele recebia o lan-
che – ôôô dona! – evidenciava que, ape-
sar de pedir ajuda apenas para alimentar
seus cachorros, ele também tinha fome.
Na triste ocasião em que não o encon-
trei, perguntei do seu paradeiro ao dono
do bar. Me disse que a polícia tirou a bar-
raca e levou os cachorros para um abri-
go da prefeitura, porque o rapaz os tinha
deixado três dias trancados na barraca,
sozinhos. Por alguns dias, sumiu.
Não acredito que fosse descaso. Para
mim, era óbvio o apego aos cachorros.
Pode ter adoecido e ido parar em um hos-
pital público – onde, talvez, tenha ficado
alguns dias num corredor à espera de as-
sistência, não por desleixo dos médicos,
mas por falta de leitos disponíveis. Po-
de ter sido preso, por puro preconceito
da polícia. Imaginei a desolação de vol-
tar para “casa” e não achar nem a barra-
ca nem sua família canina."
leia a cronica de MARIA RITA KEHL