Eu nem queria mesmo
Arnaldo Branco (Instagram: @arnaldobranco)
A essa altura todo mundo já trombou com o vídeo do coach de masculinidade que se sentiu ameaçado quando uma mulher tentou oferecer cerveja numa ocasião em que estava tomando sua bebida predileta, Campari — depoimento que me lembrou aquele meme “isso foi muito específico, tá tudo bem?”. No entender do cara o gesto foi uma tentativa da fêmea ardilosa em manipular a vontade do macho, embora eu acredite que se tratava apenas de uma sugestão para dispensar uma bebida que tem gosto de Limpol maçã.
O coach, que se chama Thiago Schoba (sobrenome com uma sonoridade cômica e que parece uma gíria obscura para descrever alguém com dissonância cognitiva), escolheu usar outro que acha mais respeitável, Schutz, e é exatamente por isso que só vou chamar o cara pelo nome verdadeiro — afinal também sou contra manipularem a minha vontade. Schoba, que emplacou vários outros vídeos defendendo ilogismos da mesma linha, é um rico manancial de vergonha alheia que provavelmente vai se eleger deputado pelo MBL apesar dos corriqueiros apelos da esquerda para não dar palco pra quem já tem bastante.
Em outro trecho, Schoba confessa ter medo de abordar uma mulher e ser acusado de assédio, sem reparar que, se uma abordagem soa como assédio, provavelmente é mesmo. O que é curioso porque qualquer sujeito normal consegue entender o conceito de assédio, é só perguntar o que ele acha de atender chamada de telemarketing no sábado. O maior problema do cara parece ser um medo paralisante de lidar com situações em que não tem controle total, que é mais ou menos como funciona a vida de todas as pessoas que não são psicopatas.
Em vários outros podcasts — onde faz papel de misógino residente — Schoba enumera os tipos de mulher que se deve evitar: não pode ser mais alta, mais velha, mãe solteira, divorciada, sensual, boêmia, assertiva, independente; seu modelo é algo como a Damares Alves com a idade da MC Pipokinha. É tanta restrição que lembra aquelas vezes em que a gente faz exigências fora da realidade porque na prática não quer pegar o emprego. O ano é 2023 galera, não estamos mais na época em que era socialmente obrigatório fingir que gosta de mulher.
Mas a verdade é que essa lista de empecilhos é uma manifestação do subconsciente. Como naquela cena de Kill Bill onde o David Carradine diz que o alter ego do Super-Homem — um homem fraco, inseguro, impotente — é uma crítica velada à humanidade, essa mulher ideal — insossa, submissa, reprimida — é uma confissão latente de como o sujeito realmente se enxerga. No fundo Schoba acredita que só uma mulher com essas características é capaz de se sujeitar a um cara medíocre como ele.
Apesar de se apresentar como coach, o que Schoba prega é o contrário de aprimoramento pessoal; é acreditar que você se basta e que as pessoas devem aceitar essa sua versão defeituosa como se fosse invejável, ideal até. É nisso que dá levar muito a sério os elogios da própria mãe ou acreditar em premissa de filme pornô — que as mulheres vão sair tirando a roupa mesmo que você só tenha ido na casa delas pra consertar o encanamento.
Muito se fala no poder de autoestima do homem hétero, mas existe uma subcategoria ainda mais empoderada: a do homem hétero rejeitado fingindo que ele nem queria mesmo.
CONFORME SOLICITADO
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