o tempo é um mago com muitos segredos
O tempo é um mago com muitos segredos. O tempo do ritual passa rápido na experiência, como num segundo. Mas fica na memória por muito tempo. Se é que se apaga.
Nunca havia estado numa posse. Me ligo num ritual mas jamais imaginei que me emocionaria tanto. O dia começou com os funcionários que limpavam a rampa passando sal grosso por conta própria. Já a faixa foi trocada por uma nova, mais grossa, que não ficaria contaminada pelo baixo astral do antecessor.
O clima da posse não poderia ser melhor. Se na gestão anterior jornalistas não receberam sequer água, dessa vez tudo parecia digno. Até o pessoal do Itamaraty não escondia o contentamento diante das e dos convidados.
Lula falou muitas vezes em democracia e disse que foi ela, essa vetusta senhora, quem venceu as eleições. E ele tem razão.
Mas o momento mais lindo, pleno de símbolos, foi quando Lula subiu a rampa acompanhado de Francisco de 10 anos, morador de Itaquera, Aline Souza (20 anos) catadora, o cacique Raoni de 90 anos, Wesley Rocha metalúrgico de 36 anos, Murilo Jesus professor com 28 anos, Jucimara Santos cozinheira, Ivan Baron que sofreu uma paralisia cerebral e é ativista da causa, Flávio Pereira, de 50 anos e que atua como artesão. Além da cadela Resistência que Lula conheceu quando esteve preso em Curitiba.
Não há nada na constituição que determine a entrega de faixa. E ainda bem que Bolsonaro resolveu fugir um dia antes. Ia estragar a festa da democracia.
Também não há nada na constituição que determine tiro de canhão, aviões no céu e exército marchando. Isso foi ideia da ditadura militar nos anos 1970 e sob o governo Medici.
Já esse foi um ritual da sociedade civil.
Que possamos aproveitar da magia da festa. Já a partir de amanhã será hora de voltar ao trabalho pois há muito o que fazer se quisermos honrar a democracia, que é sempre incompleta e requer a nossa cidadania ativa e vigilante.
Bom ano e Brasil — todos novos.
(A bela foto é do @caioguatelli . Em primeiro plano Lula não disfarça o choro. O lenço que enxuga as lágrimas destaca a mão de metalúrgico do presidente. Um trabalhador novamente no poder. Mas sua coroa é indígena e homenageia aqueles que por aqui sempre estiveram)