Dubai, Paris, Congresso Nacional
de LILIA SCHWARCZ
Não tem Dubai, não tem Paris, não tem viagem que eu tenha feito na vida que seja melhor que esse dia”, foi assim que Aline Magalhães, moradora de Ribeirão Preto, cidade de São Paulo, definiu sua experiência de se encontrar no topo do Congresso invadido.
Passei a semana pensando nessa frase. O que existiria de bom em ocupar ilegalmente uma propriedade pública? O que haveria de extraordinário em dilapidar edifícios que simbolizam os três poderes da república?
Quem sabe a sensação da posse fugidia se aproxime a de uma viagem que também resta na memória de forma efêmera. Não possuímos esse lugar mas ele é “nosso” a partir da lembrança que deixa.
Mas não vamos a Paris e quebramos a Torre Eiffel ou vamos à Mesquita de Abu Dahbi em Dubai com o objetivo de apedrejar.
Há algo de muito errado no bolsonarismo. Um desrespeito profundo pela cultura, pela leitura, pela constituição — cujo exemplar sumiu do edifício do Judiciário e pelo “diferente”.
E afinal porque será que governos autoritários sempre atacam a cultura de um país? Pois cultura é liberdade, é respeito à pluralidade de cultos, de ideias, de ancestralidades, de histórias, de formas. E governos fascistas detestam artistas pois abominam e temem o que consideram ser o perigo da liberdade e do arbítrio.
Por isso, adotam uma arte com arestas, que só glorifica a eles mesmos. Por isso, apedrejam um Di Cavalcanti com a brasilidade que ele apresenta. Destroem um Krajberg na beleza da natureza — livre por definição — que ele representa. Aniquilam um relógio que veio com d. João VI, único no mundo com sua fabricação datada do tempo de Luiz XIV, pela mera alegria da destruição dos objetos de memória.
Repito a pergunta: com o que se diverte Aline? Apenas com a pequenez ilusória de seu mundo, feito da destruição, do escárnio, da profunda irresponsabilidade. Um mundo que precisa ser só igual a ela. — Branca, de classe média, supostamente loira, com sua camiseta e chapéu da seleção, brinco de pérola, provavelmente evangélica, ela se contenta com sua exclusiva projeção no espelho. Cultura é liberdade e não exclusivismo e destruição. Que Aline goste da viagem à cadeia; que bem merece.