A conciliação vai prevalecer?

mente nas redes sociais uma
imagem que redefine, em todo
seu esplendor, o significado de patético.
Aliás, a partir de hoje nem precisa mais
definir o conceito. Sempre que for ne-
cessário utilizá-lo, basta mostrá-la, fi-
cará mais que evidente o que queremos
expressar. A composição de fotos virou
um ícone artístico-linguístico sobre a
realidade do bolsonarismo mais histé-
rico em toda a sua crueza: de um lado
bolsonaristas delirantes na frente dos
quartéis, em posição de martírio, a se
oferecer em sacrifício cristão em prol da
nação, patriotas na luta do Bem contra
o Mal, capazes de se entregar em holo-
causto pelo bem do País amado, homens
e mulheres em atitude de histeria cole-
tiva em defesa da bandeira brasileira,
custe o que custar, colocando a vida e a
honra nas mãos de Deus. Do outro lado,
Eduardo Bolsonaro a curtir a Copa do
Mundo no Catar, absolutamente se
lixando para os abnegados patriotas.
Uns na “sofrença”, o outro na farra. Uns
a lutar heroicamente por um Brasil que
caiu nas garras diabólicas do comunis-
mo, o outro na bacanal futebolística do
outro lado do planeta. Patéticos.
Sim, confesso que senti prazer ao ver
a imagem. Benfeito, foi o meu primeiro
pensamento. Os idiotas golpistas mere-
cem ser esculachados. Merecem o des-
prezo até dos seus próprios líderes, ou-
tros idiotas golpistas, mas um pouco
mais inteligentes, ao menos suficiente-
mente inteligentes para deixar outros
se sacrificarem, enquanto buscam uma
saída e tiram o deles da reta. A família
Bolsonaro nunca esteve disposta ao sa-
crifício. O sacrifício é para o baixo clero
dos idiotas golpistas. Sim, senti um pra-
zer inicial, mas incompleto, pois a foto
me pareceu imensamente premonitó-
ria. Eduardo Bolsonaro rindo, descon-
traído, relaxado, parecia uma predição
de um futuro no qual a família Bolsonaro
talvez poderá rir, descontraída, relaxada,
sem ser punida por nenhum de seus nu-
merosos crimes. E isso dói, muito.
O Brasil cordial de novo.
O Brasil conciliador de novo.
O Brasil que joga o ódio para baixo do
tapete.
Bolsonaro e sua família devem ser
julgados com todo o peso da lei. Nem
mais nem menos. Devem ser julgados pe-
la destruição, pelo horror, porque o hor-
ror cometido tem forma e letra nos códi-
gos. Não podemos deixar o ódio impune.
Não podemos deixar o golpismo impune.
Qual será a pedagogia do período Bolso-
naro se o clã for anistiado? É possível ser
golpista, é possível destruir um país, é de
graça, podem fazê-lo à vontade, sintam-
-se motivados para acabar com as insti-
tuições, é possível odiar ostensivamen-
te, façam-no, não custa nada.
Não podemos escolher a conciliação
quando se trata de ódio. O ódio não trata-
do corretamente sempre emerge de novo
e emerge empoderado, feroz. O ódio joga-
do para debaixo do tapete, garras escon-
didas na escuridão, latente, encoberto, na
surdina, sempre estará pronto para sal-
tar à luz quando houver um mínimo espa-
ço, para devorar, machucar, ferir de novo.
“Ah, vá, Bolsonaro nem foi tão ruim
assim”, “Ele não deu um golpe, deu?”, “E
se ele for julgado agora vai dividir o País
de novo, vai ser guerra civil”, “Vamos cur-
tir a Copa do Mundo, as férias, aí depois o
Lula toma posse e a gente vira a página”,
“Não vamos mexer nisso, vai ser pior”.
Argumentos não faltam. O Brasil cor-
dial tem uma infinidade deles. Mas todos
se erguem sobre a mesma falácia: o ódio
não vira a página. Sim, claro, muitas ve-
zes, na vida, na política, conciliar é mui-
to melhor do que ir à guerra, a negocia-
ção é com certeza preferível ao campo de
batalha, mas o ódio, não, com o ódio não
se negocia, não se concilia, não se esque-
ce, não se perdoa, não se poupa, não se
esconde. O ódio não tratado não morre,
continua vivo, aguardando outra opor-
tunidade, espalhando a sua purulên-
cia, corroendo qualquer possibilidade
de uma sociedade saudável que olha pa-
ra o futuro coletivamente. Sem comba-
ter o ódio não há “nós”.
A história brasileira da conciliação é
um desastre. A conciliação dos escravo-
cratas teve como herança um dos países
mais racistas do mundo. A conciliação da
ditadura teve como herança Forças Ar-
madas despudoradamente antidemocrá-
ticas. O Brasil cordial vai se impor de no-
vo? O Brasil cordial vai tentar esquecer
um dos períodos mais vergonhosos de
sua história recente?
Que a lei se imponha.
Odiar um país, tentar destruí-lo, não
pode sair de graça.
O ódio não vira a página.