Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital.
Desagua douro de pensa mentos.
sábado, dezembro 17, 2022
Nos estádios e nas ruas, onde estão as mulheres na Copa do Catar?
Tatiana Furtado
Nas arquibancadas, nas ruas, na fan fest, no metrô, na cobertura da
imprensa. Para qualquer lugar que se olhe, a sensação é a mesma: onde
estão as mulheres?
Dos mais de 1,2 milhão de estrangeiros que vieram para a Copa do Mundo
do Catar, segundo estimativas dos organizadores, não se sabe quantas são
mulheres. A Fifa só divulga os números gerais.
Mas a percepção é clara. Ao menos para o olhar feminino. Pela visão dos
homens, talvez esteja tudo normal como sempre. É um campeonato de
futebol, ambiente masculino e um país com choques culturais que afetam
mais a nós.
Já são sete estádios visitados e muitos quilômetros rodados nesses 15
dias pelos arredores das arenas em busca de histórias. Há poucas
mulheres para contar as suas. E quando elas estão presentes, há quase
sempre um homem ao lado. Alguns até falam por elas, como no caso de
algumas iranianas e sauditas.
Grupos de mulheres ou torcedoras solitárias que saíram de seus países
para viver a experiência de acompanhar uma Copa são raridades. Grupos de
amigos viajando de férias que atravessaram o continente para seguir
suas seleções têm aos montes. Algumas apontam o medo de vir a um país
tão diferente do seu e não saber como seriam recebidas.
A ausência feminina também se faz presente no dia a dia da cidade. A
qualquer hora do dia, é possível fazer o seguinte teste: entre no metrô,
o principal meio de transporte durante a Copa, e conte quantas mulheres
há neles. Não foram poucas vezes em que era a única. Ou podia contar
nos dedos todas elas em um vagão lotado, fossem turistas ou locais.
A demografia do país explica em parte. Ao contrário do Brasil, onde as
mulheres são maioria da população, no Catar a relação é praticamente de
três homens para uma mulher. Não é uma questão genética catari. Mais uma
vez, uma questão de oportunidades. Num país carregado pelos imigrantes
do Sudeste e Sul da Ásia e norte dá África, as vagas de trabalho,
sobretudo na construção civil, são ocupadas por eles.
Não é apenas o baixo contingente feminino que chama a atenção. Há uma
divisão clara social e de gênero na rotina da cidade. As cataris, que
seguem à risca o código conservador, são pouco vistas nos espaços
públicos — os nativos mais ricos do país andam de carro, metrô é para
imigrantes. Sozinhas, menos ainda. Ou estão em família, com marido e
filhos, ou entre amigas em restaurantes. Encontrar uma catari sentada
num café, solitária, é algo raro.
A fé também é professada separadamente. Nos locais de oração, há a
indicação da sala para as mulheres. É possível ver dezenas de homens
correndo em direção a esses locais, num dos horários de reza, deixando
seus calçados do lado de fora e entrando para fazer sua prece. Sem
mulheres.
Assim é nos metrôs e nos estádios, onde há salas privadas de orações separadas por gêneros como banheiros.
Há um cuidado extremo em não tocar no corpo feminino. Ou mesmo se
aproximar muito. Nas inspeções de segurança dos estádios e do centro de
mídia, há filas separadas. E apenas as mulheres da força de segurança
podem fazer a revista em outras. Tudo certo não fosse o detalhe de que
são usados detectores de metal e não há qualquer contato físico.
Talvez apenas nesse ambiente Fifa (seguranças, voluntariado, limpeza e
produção) tenha havido a preocupação com a equidade de gênero, ainda que
seja apenas em números.