“Obrigado” é uma palavra forte
Gabriel Trigueiro
Devemos agradecer a quem apertou o 13 com nojinho? Por um lado, esse é um argumento justo e razoável: ao longo de toda sua campanha, o próprio Lula caracterizou o seu futuro governo como um governo de unidade nacional, baseado em conciliação e diálogo. Isso ficou claro na escolha do seu vice, Geraldo Alckmin, e na construção da frente ampla.
Ao mesmo tempo, não vou tratar com complacência pessoas que têm responsabilidade no estado de coisas anterior à eleição. Hoje sabemos que uma das principais causas de erosão democrática é a criminalização de um partido e/ou ideologia. E não foi isso que essa galera fez o tempo todo, até os 45 do segundo tempo?
Negaram a própria ideia de política ao tratarem Lula e o PT como anomalias democráticas. Ao primeiro foi recusado até pouco tempo o direito básico da presunção de inocência. Nessa hora, aliás, não tinha um liberal garantista disposto a encampar esse argumento. Exceção feita, quando muito, ao Reinaldo Azevedo. Ao PT, por sua vez, sobrava o estigma de “quadrilha”.
Em “Carta de uma prisão em Birmingham”, uma carta aberta escrita por Martin Luther King, em 1963 enquanto estava preso, ele argumentava que os “brancos moderados”, que pediam “calma e paciência” aos negros que lutavam pelos direitos civis, muitas vezes criavam obstáculos tão duros quanto os criados pelos supremacistas brancos.
Como pedir paciência e “moderação” quando o que estava em jogo era uma causa com a urgência moral da busca pela igualdade racial? O problema nunca foi a ideia abstrata de “moderação”, mas sim o seu uso para igualar desiguais e criar falsas simetrias. Dwight Eisenhower, então presidente dos EUA, por exemplo, chegou a afirmar que não poderia receber em audiência na Casa Branca as lideranças das manifestações dos direitos civis, sob pena de ter que receber também a Ku Klux Klan. “Uma escolha muito difícil”.
Então, assim, na moral: eu não tenho estômago para agradecer à galera que até ontem tava fazendo coro com golpista e que pavimentou, com tijolos dourados polidos e sobrepostos, uma estrada de acesso para o bolsonarismo. Eu não vou agradecer à galera que foi cheerleader da Lava Jato. Eu não vou agradecer à galera que tá se achando especial porque meramente cumpriu com uma obrigação cívica e republicana básica: votar em um democrata num pleito no qual a outra opção era um genocida. Porque, antes de tomar essa decisão magnânima, essa turma contribuiu para o caldo que cozinhou o bolsonarismo.
Eu não vou agradecer, sobretudo, à galera que deixou para votar no Lula apenas no segundo turno — e com isso deu uma sobrevida a um projeto de ditador, apenas por capricho e self righteousness narcísica. Essa galera que hoje quer ser agradecida por fazer o mínimo, sempre gostou de acalentar uma autoimagem de moderada, sóbria e avessa “aos extremismos dos dois lados”. Deu no que deu. A demora dessa parcela do eleitorado a se mover para o lado do PT teve um custo alto. Tão alto que quase não sobrou democracia a ser salva.
Quem votou só agora no PT se comportou durante anos e anos como os falsos “moderados” acusados pelo Dr. King. Se finalmente em 2022 resolveram abraçar o bom senso e conseguiram ficar, enfim, em paz com suas próprias consciências, ótimo. Sou sempre a favor de arcos de redenção. Mas, “obrigado”, cá pra nós, é uma palavra forte demais.
CONFORME SOLICITADO
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