Tu entrou no ônibus agora e já quer sentar na janela, irmão?
de Gabriel Trigueiro
1. Uma frente pra lá de ampla
Leio agora que o cineasta José Padilha chamou o Moro de burro e que Miguel Reale Jr., autor do impeachment de Dilma, anunciou apoio a Lula. Até a Cora Rónai participou do meme dos 13 livros vermelhos. Carlos Andreazza se reinventou como uma oposição conservadora sensata e democrática durante os anos Bolsonaro. Alguém aí se esqueceu que foi esse cabra que transformou o Olavo de Carvalho em fenômeno editorial? Como meu amigo e conformer Arnaldo Branco falou em outra rede social “Tá na hora da frente ampla começar a cobrar entrada”.
Veja, eu sei que um problema histórico da esquerda é o de se comportar como um porteiro da Studio 54: a gente trata o nosso campo político como um clube exclusivista e fica do lado de fora barrando gente na fila, só porque a roupa não combina ou não é cool o suficiente. Isso é um erro e um problema. Também sei que o fascismo se derrota com coalizão. Jamais esqueço de “O Exército das Sombras”, o filme de Jean-Pierre Melville (ele mesmo um gaullista, repara só) sobre a Resistência Francesa, no qual somos apresentados à amizade de dois partisans: um padre católico conservador e um garoto comunista.
2. Anistia de cu é rola
Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas essa grande anistia informal tem um custo alto no longo prazo. E aí esse negócio se torna um problema de história, de memória e de identidade nacional. Da mesma forma que algumas décadas após a derrota dos nazistas o colaboracionismo francês havia magicamente sumido do mapa e todo coroa sentado na Praça Concorde era capaz de falar horas e horas sobre as suas memórias heróicas combatendo os nazistas, hoje no Brasil parece que todo formador de opinião usava uma estrela vermelha do PT pendurada na fralda quando ainda estava na maternidade.
Veja, eu mesmo já pesei muito a mão com o PT. Algumas vezes, estava certo. Na maioria, bizarramente errado. Mas em minha defesa eu diria que a minha reavaliação não aconteceu da noite pro dia: mas pelo menos ao longo dos últimos dez anos. Com muita leitura, vivência e algum sentido de escala e proporção. Também nunca fingi que não estive politicamente equivocado inúmeras vezes. O que me incomoda nessa galera aí é o gaslighting da coisa: ninguém jamais se responsabiliza por nada do que falou e do que escreveu. O bolsonarismo se tornou um instrumento conveniente de lavagem da própria reputação. Quer moleza, meu diplomata? Senta no pudim.
Então, assim, quer colar com a gente na oposição ao bolsonarismo? Demorou, geral é bem-vindo e tal. Vamos eleger logo o Lula no primeiro turno: essa, é claro, é a nossa prioridade. Mas não pensem que daqui a gente não enxerga com clareza esse rebranding oportunista de gente que enxergou uma mudança de zeitgeist para a esquerda, viu o vento soprando para outra direção, e mudou de time com a bola já em campo.
Como dizia Bob Dylan: “You don't need a weatherman to know which way the wind blows”. Mas também como uma vez disse o Romário, o Romário da década de 1990, na época em que a gente ainda gostava dele, “Tu entrou no ônibus agora e já quer sentar na janela, irmão?”.
CONFORME SOLICITADO.
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