Bolsonarismo transforma eleição da fome em eleição do medo
Bernardo Mello Franco
O bolsonarismo vai mal nas pesquisas, mas já garantiu uma vitória: transformou a eleição da fome na eleição do medo. O debate sobre a carestia perdeu espaço na corrida presidencial. Agora o país discute se o capitão aceitará uma possível derrota, se os militares apoiarão uma tentativa de golpe, se o eleitor poderá votar em paz e segurança.
Sete em cada dez brasileiros temem sofrer agressões por causa de sua opinião política. A informação é do Datafolha, em levantamento encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade.
O medo tem razão de ser. Em 60 dias, dois eleitores do PT foram assassinados por bolsonaristas — um a tiros, outro a facadas. Casos de intimidações e ameaças se acumulam pelo país. Jornalistas e funcionários de institutos de pesquisa são hostilizados no exercício de suas funções.
A violência é um velho expediente da extrema direita. Serve para acuar adversários, apavorar eleitores, garantir apoio popular a eventuais medidas de exceção.
Em outro levantamento recente, o Datafolha apurou que 40% dos brasileiros veem grande chance de atos violentos do dia da eleição. E 9% admitem não votar por medo de tumulto nas seções eleitorais. A abstenção tende a favorecer Bolsonaro, cujos eleitores não se acanham de sair com bandeiras e adesivos de campanha.
Enquanto o capitão semeia a insegurança, pastores oram pelo caos no dia da eleição. O governista Silas Malafaia já disse torcer por uma pane nas urnas eletrônicas. “Em nome de Jesus, esse sistema vai ser travado. Vai ficar travado por pelo menos oito horas e ninguém vai conseguir destravar. Aí vai ter que ter uma outra eleição”, amaldiçoou, no início do mês.
Enquanto o pastor bolsonarista clama por intercessão divina, o clã presidencial apela ao uso da força. Em fala recente, o deputado Eduardo Bolsonaro convocou donos de armas e frequentadores de clubes de tiro a se tornarem “voluntários” do pai. Só a Procuradoria-Geral da República fingiu não entender o chamado.
O incentivo ao medo também serve como tática diversionista. Paralisada pelo temor da violência, a sociedade deixa de discutir problemas como o aumento da pobreza extrema, a precarização das relações de trabalho, os cortes em programas sociais.
O governo reduziu a um terço o orçamento da Farmácia Popular, que fornece remédios gratuitos aos mais pobres. Bolsonaro vetou reajuste na verba da merenda escolar, congelada há cinco anos. No entorno de Brasília, um colégio carimbou as mãos dos estudantes para impedi-los de repetir o prato. Sem dinheiro, escolas e creches tiram a carne das refeições.
No Brasil de 2022, a fome ronda uma em cada três famílias com crianças de até 10 anos de idade. De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, o percentual chega a 49% no Nordeste e 52% no Norte.
Este é o país que vai às urnas — e que os ocupantes do poder se esforçarão para assustar e distrair até o dia 2.
GLOBO