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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    sexta-feira, julho 08, 2022

    Tutela e anarquia militar

     


    A mal fundada e a malfadada república brasileira tem uma história salpicada por intromissões das Forças Armadas no poder civil

    POR ALDO FORNAZIERI... 

    Não há república sem o comando do poder civil legítimo. 

    Esse princípio vem desde a república
    romana antiga. Foi reafirmado nas repú-
    blicas modernas, principalmente a partir
    da aprovação da Constituição dos EUA,
    em 1787. Na Roma antiga, depois que a re-
    pública adquiriu seus contornos definiti-
    vos, o poder civil era constituído pelo Se-
    nado, pelos tribunos do povo e pelos dois
    cônsules. Estes eram eleitos anualmente
    e detinham o comando das legiões roma-
    nas. A legitimidade assenta-se no fato de
    que todo o poder deriva do povo, dos ci-
    dadãos, de forma direta ou indireta.
    Maquiavel, ao promover a transição do
    pensamento republicano antigo para o
    moderno, reafirmou a necessidade de su-
    bordinação do poder militar ao civil.

     Arrolo cinco razões principais que justifi-
    cam essa subordinação:
    1. O presidente, o primeiro-ministro
    ou o príncipe são as expressões políticas
    e simbólicas da unidade do povo e pontos
    mais altos de um sistema de hierarquias
    políticas. 2. O poder militar deve ser um
    poder subordinado, a serviço dos interes-
    ses do povo, que se definem no processo
    político. 3. Como força em armas o poder
    militar deve estar submetido a controles,
    para que não abuse de sua condição de es-
    tar em armas. 4. Se o comando supremo
    das forças militares fosse militar, o risco
    da insubordinação, da indisciplina e das
    conspirações seria muito maior. 5. Com
    o surgimento da ordem estatal, a guerra
    torna-se função da política. A guerra pas-
    sa a atender a objetivos políticos. Assim,
    é a política que deve comandar a guerra
    e as Forças Armadas, organizadas para
    atender os objetivos da defesa do Estado.


    A mal fundada e malfadada repúbli-
    ca brasileira tem uma história salpicada
    por intromissões militares no poder civil
    que agridem o princípio básico da noção
    de república. A partir do governo Bolso-
    naro instituiu-se uma permanente amea-
    ça de nova violação da ordem republicana
    por intervenção militar. Generais a servi-
    ço do presidente, e não da Constituição,
    ameaçam as eleições e se intrometem in-
    devidamente em assuntos eleitorais.


    Os Estados Unidos, primeira repúbli-
    ca moderna, precaveram-se com instru-
    mentos legais para coibir ameaças mili-
    tares. O código que trata do Secretário
    de Defesa, similar ao nosso Ministério
    da Defesa, estabelece que o ocupante do
    cargo é escolhido pelo presidente desde
    que seja um civil. Para um militar ocu-
    par o posto, precisa estar na reserva, no
    mínimo, há sete anos, se for um oficial
    de patente inferior àquela de brigadeiro-
    -general (grau O-7, uma estrela) e de dez
    anos se for de patente superior.


    No Brasil, não há nenhum regramen-
    to nesse sentido. No governo Bolsonaro,
    quatro generais passaram à reserva, sem
    nenhuma quarentena, e ocuparam o car-
    go de ministro da Defesa. Ao menos os
    dois últimos – Braga Netto e Paulo Sérgio
    Nogueira – emitiram ameaças golpistas.
    Além da violação do princípio da subor-
    dinação do poder militar ao civil, o gover-
    no Bolsonaro agride os princípios da hie-
    rarquia e da disciplina militares e disse-
    mina a anarquia militar. O termo “anar-
    quia militar” surgiu no Império Romano,
    no período entre 235 a 284, no qual ocor-
    reu uma recorrente sucessão de impera-
    dores, legítimos e ilegítimos, por conta
    da intervenção e dos interesses milia-
    res. Não eram essencialmente interesses
    estratégicos do Império, mas de ganhos,
    privilégios e enriquecimento dos milita-
    res. Em consequência, não havia apenas
    uma ação contra imperadores, mas uma
    recorrente quebra da hierarquia e da dis-
    ciplina e prejuízos para o povo.


    Bolsonaro foi um mau militar. Quebrou
    a disciplina e foi expulso do Exército. Ago-
    ra age deliberadamente para introduzir a
    anarquia militar, em três sentidos: a) Es-
    timula o interesse dos militares nos privi-
    légios públicos; b) Incentiva a indisciplina
    e a politização nas Polícias Militares e nas
    Forças Armadas; c) Desmoraliza generais.


    O que interessa aqui é o primeiro pon-
    to. A reforma da Previdência provocou
    perdas para toda a população e ganhos
    para os militares. Os reajustes dados aos
    integrantes das três Forças no atual go-
    verno fizeram com que eles tivessem um
    aumento real de 29,6% acima da inflação
    na última década, contra 6,3% dos demais
    servidores federais. Sob esse governo, o
    salário mínimo sofreu a maior desvalori-
    zação desde 1994. Bolsonaro colocou mi-
    lhares de militares em cargos civis, pro-
    movendo o interesse político no poder e
    o desvio de função. Portaria assinada por
    ele permite que militares ganhem muito
    acima do teto constitucional. Alguns ge-
    nerais ganharam até 350 mil reais anuais
    a mais do que deveriam receber.


    Para salvar o País, é preciso remover o
    quisto da tutela militar contido no artigo
    142 da Constituição, impedir a participa-
    ção política dos militares da ativa, estabe-
    lecer quarentenas para quem está na re-
    serva e bloquear os mecanismos que favo-
    recem os privilégios e a anarquia.

    CARTA CAPITAL

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