O primeiro apartamento na Vieira Souto a babá nunca esquece
Gregorio Duvivier
Se eu fosse a babá dos filhos do Washington Olivetto e descobrisse pelo jornal O Globo que ele me considera da família, contratava imediatamente um bom advogado sucessório. Imagino que ela tenha tanto direito aos bens do pai-patrão quanto seus herdeiros diretos.
Há quem diga que a coluna do marqueteiro seja inútil. Discordo: ela pode ser muito útil se for interpretada como um testamento. A frase que promove (ou rebaixa?) a funcionária à categoria de parente talvez tenha passado batido na belíssima coluna do Washington pro Globo, mas, pela primeira vez em toda a vasta obra do publicitário, pode mudar a vida de alguém.
Atenção: o publicitário não usou a fórmula habitual "ela é como se fosse da família" nem tampouco "ela é quase da família", mas literalmente "virou parte da família". Falta uma reforma trabalhista que inclua essa lei: quando o patrão disser que a funcionária "é da família", ela passa a ter automaticamente os mesmos direitos que os filhos, quando disser "quase da família", ganha 95% do que ganham os filhos, se disser "como se fosse da família", 80%, "meio que como se fosse da família", 40%, "meio que como se fosse quase da família", 35%.
Vendo outros vídeos de Washington, descubro que é a ex-babá-hoje-parente quem "cuida" do apartamento dele na Vieira Souto —afinal, Washington mora em Londres, onde acontece aquilo que ele chama de "vida real". Não entendo muito de direito sucessório, mas acredito que o apartamento na orla deva ficar com a familiar que mora nele, senão por herança, por usucapião. Ou pelo fato de o apartamento nem sequer existir, já que ele fica a tantas milhas de distância da vida real.
No mais, não sei quando foi que normalizamos marqueteiro ter coluna em jornal. Quer dizer, nada contra publicitário ter espaço na mídia —desde que ele seja remunerado pelo publicitário, e não pela mídia. No entanto, de um tempo pra cá, todo jornal grande tem demitido jornalistas e contratado publicitários, invertendo qualquer lógica, como um poste que mija no cachorro. Enquanto isso o publicitário prefere pôr dinheiro em influencer no Instagram —que é precisamente o motivo pelo qual os jornais não tem mais verba pra fazer jornalismo. Se pelo menos os influencers assinassem jornal, a conta fechava.
Ao que parece o jornalismo, ele também, é quase como se fosse da família da publicidade —duvido que esteja no testamento.
FOLHA