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    segunda-feira, junho 27, 2022

    Tempos perversos

     


    Dorrit Harazim: 

    São perversas as três marcas temporais que encavalaram o noticiário desta semana.

    Uma pareceu ter brevidade-relâmpago: durou menos de 24 horas a prisão do ex-ministro da Educação bolsonarista Milton Ribeiro, suspeito de envolvimento em tentacular esquema de corrupção e tráfico de influência. Brevidade ilusória. Com o vazamento de telefonemas e informações sigilosas apontando para Jair Bolsonaro, o caso adquire voltagem máxima a menos de cem dias da eleição. A perversidade está no pântano escancarado de Brasília.

    A segunda marca perversa teve a torturante duração de 29 semanas, a partir do estupro sofrido por uma menina-criança de 10 anos em dezembro. Ela morava em Tijucas (SC) com a mãe, o padrasto e seu filho de 13 anos, provável autor do abuso. Ao longo das 22 semanas seguintes, nem escola, nem família, nem serviço social haviam alertado sobre a gravidez da menina. O resto da história retrata a falência múltipla de nossas políticas, o desemparo social da população e o despreparo de agentes públicos diante da emergência nacional.

    Quando mãe e filha se apresentaram no hospital universitário de Florianópolis, em maio, para a interrupção da gravidez permitida em lei, esta lhes foi negada pelo médico Marcelo José Panzenhagen. Encaminhada a avaliação da juíza Joana Zimmer, a menina foi submetida a uma audiência abusiva, irresponsável para uma magistrada com doutorado em Primeira Infância. Manteve a menina internada por 40 dias num abrigo público, longe da mãe, para que a gravidez maturasse. Foi somente graças às revelações sobre o caso feitas pelo site The Intercept Brasil e pelo Portal Curitibas que a lei pôde se fazer cumprir.

    Quando mantido na esfera moral ou religiosa, o embate em torno do aborto se desenrola em profundezas absolutas, irreconciliáveis com a razão. O tema é de complexidade máxima no mundo inteiro, mas merece uma simplificação: a defesa do direito de escolha para a mulher tem fundo democrático — aborta quem precisa, quem assim decidiu e quem consegue acesso ao procedimento. A proibição desse direito é absolutista, não permite escolha. Enclausura.

    Daí ser imperativo a governantes de países laicos e democráticos tratar o tema pelo que é: uma questão de saúde pública. Só no Brasil de 2020, 1.549 meninas de até 14 anos morreram em decorrência da gravidez. Casos notificados de crianças estupradas somaram 36.600 (quase 90% meninas). No ano passado, 17.316 tornaram-se mães. A repórter Yala Sena, da Folha de S.Paulo, visitou uma dessas crianças-mães em Teresina, Piauí. Encontrou uma menina calada de 11 anos, escondida por trás de seu bebê de 9 meses, numa casa de terra batida em que sete dormem no único quarto. Com dois meses de gravidez, a criança fora levada pela mãe a um médico, que teria recomendado não interromper a gestação. Mãe e filha concordaram. O primo que estuprou a menina morreu — assassinado. E a vida segue seu curso.

    A terceira marca perversa da semana tem duração incerta — uma geração? 50 anos? — e provocou um cataclismo planetário na sexta-feira. A derrubada, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, do direito legal ao aborto, com a revogação da histórica decisão Roe v. Wade de quase meio século atrás, representa um retrocesso civilizatório que pode estar apenas começando. O desequilíbrio ideológico na atual composição da Corte é perigoso — dos nove magistrados, seis podem ser considerados “extremamente trumpistas”, e três são liberais. Clarence Thomas, um dos juízes mais desprezíveis do colegiado, chegou a fazer referência duvidosa a três conquistas anteriores transformadoras: o direito ao uso de contraceptivos, o direito a pessoas do mesmo sexo se relacionarem sexualmente e a aprovação do casamento gay.

    Em meio a tantos solavancos, dois caixões fúnebres levantaram voo de Brasília em aeronaves da Polícia Federal. Um, com destino ao Rio de Janeiro, levava os restos mortais do jornalista britânico Dom Phillips. À viúva Alessandra Sampaio, as autoridades entregaram a aliança do marido assassinado. O segundo caixão devolveu ao Recife o indigenista Bruno Pereira, acolhido por suas duas famílias enlutadas: a viúva, três filhos e os parentes de sangue — e a grande família indígena que Bruno escolhera em vida defender até a morte. A perversidade maior do Brasil seria esquecer Bruno e Dom. E abortar a missão a que se dedicaram. 

    GLOBO

    ILUSTRAÇÃO MARCELLO

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