PF prende só ex-ministro e pastores porque (ainda) não alcança Bolsonaro
Leonardo Sakamoto
A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e do pastor Gilmar Santos, um dos religiosos acusados de cobrar pedágio em dinheiro, ouro e bíblias para liberar recursos do Ministério da Educação a prefeitos, não resolve o escândalo, da mesma forma que a demissão do ministro também não resolveu. Afinal, como Ribeiro revelou, o atendimento do desejo dos pastores ocorreu a pedido do próprio Bolsonaro. E os pastores tinham livre acesso ao Palácio do Planalto.
"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim", disse ele em gravação divulgada pela Folha de S.Paulo que circulou mais do que single da Anitta. Jair, contudo, ainda é presidente da República e tem as prerrogativas do cargo. Isso ajuda a explicar o medo que ele tem do momento em que passar a ser ex.
A operação "Acesso Pago", da Polícia Federal, que está investigando "o tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos", cumpre 13 mandados de busca e apreensão e cinco de prisões em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal.
Campeão de Arremesso de Responsabilidade à Distância, Bolsonaro não tardou a tentar se afastar do caso. Logo após as prisões, nesta quarta (20), ele correu para dizer que "se a PF prendeu, tem um motivo", em entrevista à rádio Itatiaia. E abandonou Ribeiro, como é seu costume com antigos aliados que perdem a utilidade, afirmando que "ele que responda pelos atos deles."
Bolsonaro entregou o Ministério da Educação, responsável por construir o futuro do país, às necessidades alimentares do guloso centrão. Consequentemente, tivemos a revelação de escândalos - do superfaturamento de kits de robótica para cidades com escolas sem água encanada e internet, envolvendo pessoas próximas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), como revelou a Folha, até licitação bichada para a compra de quatro mil ônibus rurais, revista após ser tornada pública pelo jornal O Estado de S.Paulo.
Desde que Ciro Nogueira (PP) assumiu como ministro, a Casa Civil se tornou o único destino no Palácio do Planalto das visitas dos pastores acusados de cobrar pedágio em ouro para dar acesso a prefeitos ao multibilionário Fundo para o Desenvolvimento da Educação. Um ex-assessor de Nogueira, Marcelo Ponte, aliás, é o presidente do fundo.
Entre 2019 e 2020, os pastores visitaram também a Secretaria de Governo, o Gabinete de Segurança Institucional, a Vice-Presidência, entre outros órgãos do Planalto, de acordo com dados divulgados pelo governo, via Lei de Acesso à Informação, a pedido do jornal O Globo. Mas depois que o líder do centrão assumiu a função de primeiro-ministro de Jair Bolsonaro, em agosto de 2021, as seis visitas do pastor Arilton Moura e as três do pastor Gilmar Santos foram para a Casa Civil. Ou seja, encontraram um canal único de interlocução.
Isso não impedia que eles tivessem, a partir da autorização de entrada pela Casa Civil, ido também em outro gabinete do Palácio do Planalto.
Até porque a relação do pastor Gilmar Santos com a família Bolsonaro é anterior à chegada de Milton Ribeiro ao Ministério da Educação, em julho de 2020, como pode ser constatado pelas declarações de afeto ao religioso.
Em 2019, Gilmar afirmou que Bolsonaro tinha "um apreço muito grande" com ele e com o pastor Arilton Moura, outro investigado pela PF. Em setembro de 2020, o pastor ganhou um vídeo de aniversário em que o senador Flávio Bolsonaro afirmava que "A gente não faz nada sozinho, mas se não fossem pessoas como o senhor, certamente, a nossa batalha diária, a nossa guerra aqui na disputa do poder em Brasília, seria, sem dúvida alguma, muito mais complicada".
Abraham Weintraub, que chefiou o MEC, afirmou que Bolsonaro mandou que ele entregasse o FNDE à sua base aliada no Congresso Nacional. "Quem vai me dar uma ordem dessas? O meu chefe. Ele falou: 'você vai ter que entregar o FNDE pro centrão' e eu falei: 'presidente, não faça isso'. 'Mas eu preciso'. Daí eu fiquei adiando o máximo que eu podia. Por quê? Isso também dá pra checar. Eu subi toda a governança do processo decisório do FNDE", disse em entrevista à CNN.
A instalação de um gabinete paralelo no Ministério da Educação, com pastores cobrando pedágio para liberar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, não aconteceria sem o conhecimento e a anuência do presidente, da mesma forma que o gabinete paralelo do Ministério da Saúde, montado para fomentar o uso de tratamentos ineficazes contra a covid-19, funcionou com a benção de Jair.
O fato de Jair ser blindado pelo centrão na Câmara dos Deputados e pelo procurador-geral da República, tornando praticamente impossível sua cassação, não exclui a importância de ele ser responsabilizado politicamente por seus atos.
"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim." Nesse contexto, a frase dita por Ribeiro e que deu estopim à sua queda poderia, ironicamente, ser usada para explicar o último favor que ele fez a Bolsonaro, o seu próprio sacrifício.
Em uma live, Jair chegou a dizer "eu boto a minha cara no fogo pelo Milton". Como está a cara do presidente agora?
UOL