Pague o Pix e dê o golpe
Alvaro Costa e Silva
O repórter Patrik Camporez contou que em outubro de 2021 o Ministério da Defesa, então chefiado pelo general Braga Netto —vice de Bolsonaro na chapa da reeleição—, liberou recursos do orçamento secreto para a construção da primeira capela funerária de São Félix do Araguaia, no interior de Mato Grosso. Para imitar o Odorico Paraguaçu de "O Bem- Amado", a prefeita Janailza Taveira recebeu R$ 400 mil; outros R$ 2 milhões da Defesa deveriam asfaltar a cidade de 12 mil habitantes.
São Félix precisa de asfalto. Velar os mortos mal não faz. Mas a concentração dos repasses —ainda não totalmente mapeados— em 7% dos 5.570 municípios do país demonstra a inexistência de critério técnico. Valem os interesses do centrão.
No ano passado, o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar, movimentou R$ 460,2 milhões; a senadora Eliane Nogueira, mãe do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, R$ 399,2 milhões. Na cornucópia da fortuna, Arthur Lira, presidente da Câmara, representou R$ 276, 8 milhões; Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, R$ 180,4 milhões.
Bolsolão, emenda do relator, orçamento secreto, RP9, cheque em branco, Pix. A moeda de troca utilizada pelo Planalto nas transações com o Legislativo tem diversos apelidos. Ex-ministro da Infraestrutura e candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas definiu o arranjo como "processo de construção da maturidade".
O que o desvio de dinheiro público está construindo, desde 2020, com cifras gigantescas, é o processo do golpe, tramado por Bolsonaro e os generais do seu entorno, ao pôr em dúvida o sistema eleitoral. O silêncio financiado do Congresso permite outro processo, o da guerra civil, com o presidente convocando a população a usar armas contra "a tentação de um ditador de plantão" —palavras ditas em Maringá na quarta (11). Num discurso enviesado e paranoico, o mito fala do outro como se fosse dele mesmo.
FOLHA