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    segunda-feira, maio 09, 2022

    'Não quero colocar um filho negro nesse mundo'

     


    Protesto pela justiça de Kathlen Romeu, 24, vítima de uma bala perdida em uma operação policial no Rio de Janeiro - Renato Moura/Voz das Comunidades

    Victoria Damasceno

    Eu, na verdade, quero. Mas nos últimos anos cansei de ver mulheres negras dizendo que não podem se dar o luxo de colocar um filho negro nesse mundo, principalmente no Brasil. São amigas, familiares e até desconhecidas.

    Desistem devido ao racismo, que se reproduz na violência policial e em muitos outros tipos de agressões. Em última instância, se apresenta como o medo de ter que enterrar um filho, invertendo a ordem natural da vida.

    Sua decisão tem fundamento. Em 2019, pretos e pardos foram 77% das vítimas de homicídio no país, segundo o Atlas da Violência de 2021. O estudo também mostra que temos mais do que o dobro de chances de sermos assassinados do que pessoas não negras. Em Salvador, negros eram 100% dos mortos pela polícia em 2020, segundo a Rede de Observatórios da Segurança.

    Quando um jovem negro morre, uma rede de apoio geralmente formada por mulheres é deixada ao relento. São mães, avós, tias e irmãs, que muitas vezes são ou desempenham a figura materna.

    Quando a violência não se esgota na morte, mata em vida. Se materializa no medo do parto, uma vez que nós, mulheres negras, somos mais suscetíveis a sofrer violência obstétrica. Aparece também na angústia de que nossos rebentos enfrentem o racismo antes que saibam se defender. E que, quando se defendam, sejam vítimas da violência.

    Há no imaginário coletivo a ideia de que a mulher negra é forte, batalhadora, supera qualquer obstáculo. Como se aguentássemos mais do que as brancas, enquanto essas devem ser protegidas. Este estereótipo, construído historicamente, desumaniza-nos.

    Não é razoável uma mulher abandonar o sonho de ter filhos por medo de que eles sejam mortos.

    Ainda assim, é preciso ter fé. Esperança de que aqueles vindos dos nossos ventres ocuparão espaços que, com suas decisões, quebrarão este ciclo vicioso. Mas enquanto a solução não se apresentar como uma política de Estado, deixem as mulheres negras –e as suas escolhas– em paz.

    FOLHA


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