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    quinta-feira, abril 21, 2022

    O presidente do STM e os esqueletos das Forças Armadas

     

    O presidente do STM, Luis Carlos Gomes Mattos, desdenhou da divulgação de áudios da própria Corte que confirmam a prática de tortura pela ditadura militar que vigorou entre 1964 e 1985

    MALU GASPAR

    Mesmo dizendo que não comentaria os áudios de sessões do Superior Tribunal Militar divulgados no final de semana pela jornalista Míriam Leitão no GLOBO, o presidente da Corte, Luis Carlos Gomes Mattos, comentou.

    Embora visivelmente incomodado, ele disse que nem ligou. Também certamente sabia que a reportagem mostrando as discussões sobre a tortura imposta a presas políticas da ditadura baseou-se em gravações do próprio tribunal, franqueadas a um advogado por decisão do Supremo Tribunal Federal e analisadas por um historiador experiente.

    Ainda assim, preferiu lançar suspeitas. “Simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo, né?”

    É curioso que um oficial que preside a mais alta Corte militar e se professa um guardião da hierarquia, da disciplina e da correção não se constranja em fazer insinuações desse naipe.

    Mattos diz que as informações sobre a tortura são tendenciosas. Por quê? Não acredita que houve tortura no regime militar? Acha que os áudios são montados? Não quer que esses fatos históricos sejam lembrados?

    O próprio Mattos deu uma pista, na sessão do STM: “Hoje vão buscar o passado, rebuscar o passado. Só varrem um lado, não varrem o outro. E é sempre assim”.

    É comum os defensores da ditadura argumentarem que o regime apenas reagiu ao terrorismo dos opositores. Mas os próprios áudios não mostram apenas que torturas como a sofrida por Míriam de fato ocorreram. Eles também deixam patente o constrangimento dos magistrados.

    Num determinado momento, o almirante Júlio de Sá Bierrenbach afirma: “O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado”.

    Como o general Mattos também deve ter tomado conhecimento dos fatos, o problema provavelmente é outro. Como diz Carlos Fico, o historiador que vem ouvindo e organizando as gravações do STM há cinco anos, a reação do presidente do tribunal evidencia uma enorme dificuldade em prestar contas à sociedade.

    “É preocupante que um oficial militar fique desestabilizado dessa forma diante de uma situação crítica. Revela até falta de preparo psicológico.”

    Outro argumento do general ao “não comentar” a reportagem foi sugerir que haja algum motivo obscuro para a divulgação dos áudios. “Nós sabemos o motivo”, disse, lançando outra insinuação no ar, como se não houvesse explicações sobre o episódio.

    Mas há. Tudo começou com uma postagem do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que debochou da tortura sofrida por Míriam Leitão na ditadura. A jornalista, grávida, foi levada a um quartel para dar depoimento. Foi torturada e ficou presa em uma sala com uma cobra.

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    Pois Eduardo, que questiona a veracidade da história, não gostou de um artigo que Míriam escreveu. Em vez de rebatê-lo com argumentos, preferiu repetir o deboche usado outras vezes por Jair Bolsonaro e postou: “Ainda com pena da cobra”.

    Foi essa postagem que levou à reportagem. “Resolvi entregar esses áudios para a Míriam Leitão depois da ofensa que ela sofreu de um desses filhos do atual presidente”, contou Fico à CBN. “E me parecia ser uma maneira até de ela responder àquela agressão com provas documentais incontestáveis da tortura, porque parece-me que o filho do presidente duvida.”

    O atual presidente do STM parece concordar com os Bolsonaros. Para ele, as histórias de mulheres seviciadas por agentes da ditadura são “idiotices”. “Passam-se os anos, e a pessoa diz a mesma coisa, as mesmas besteiras, as mesmas idiotices. Nós vamos ficar respondendo?”, disse ele na mesma sessão do STM.

    A postura de Mattos deveria ser atípica e recebida com espanto. Os militares, afinal, buscam ser reconhecidos como servidores profissionais, que desempenham sua missão com rigor, sem levar em conta ideologias ou preferências pessoais.

    A realidade, porém, é outra. Nos acostumamos a ver os generais ligados ao presidente fazendo insinuações contra opositores e críticos, desconsiderando fatos graves e desprezando a obrigação de prestar contas à sociedade.

    Claro que há nas Forças Armadas gente esclarecida e genuinamente democrática. Ao conversar com algumas dessas pessoas, nos últimos dias ouvi mais de uma vez que o general Mattos é um homem de outra época, uma pessoa que parou no tempo, um “fóssil que anda”.

    A questão é que os fósseis povoaram o Planalto e nos impedem de ver se há mesmo dinossauros vivos na tropa. Quando a gente olha, só vê os ossos chacoalhando.

    globo 

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