Fui ler um comediante pra entender a Ucrânia, mas só encontrei piadas!
Gregorio Duvivier
Não tá fácil pra ninguém. Uma guerra torna todas as piadas bobas, toda informação deprimente, toda poesia ridícula.
Cada um reage ao conflito à sua maneira. Por aqui, só penso em comida e em Carnaval. Na última coluna falei de frango Kiev, e passei a semana ouvindo marchinhas dos anos 1940 —descobri dezenas de canções sobre a guerra, como os sucessos "Pro Brasileiro, Alemão é Sopa" e a antifascista "Abaixa o Braço!", de Ataulfo Alves ("Abaixa o braço/ Deixa de teima/ Lugar de palhaçada é no cinema!")
Um colunista do Estadão compartilhou um vídeo de um tanque invadindo as ruas da Ucrânia e passando por cima de um carro civil. O texto do tuíte dizia: "Imperdíveis os posicionamentos do @gduvivier sobre a invasão russa da Ucrânia. Marchinha de Carnaval, frango à Kiev, ah como é engraçado tudo isso".
Sim, ao que parece meus comentários levianos sobre frango e marchinha permitiram que tanques russos avançassem sobre Kiev. Peço perdão à população ucraniana pelo descaso.
Gosto muito do poder que ele parece conferir a mim. Mal sabe ele que não mando nem no que a minha filha come! Menos ainda em tanques russos, mesmo que talvez sejam ucranianos. Sim, um jornalista especializado em cobertura de guerra diz que o tanque do vídeo que ele publicou era ucraniano, e ao que parece não se tratava de uma invasão (ainda) mas de um acidente. Pelo menos as marchinhas que posto existem de fato.
Ao se deparar com o horror da guerra, há quem fique escandalizado com a cobertura humorística do conflito. "Não dá! Fui ler um comediante pra entender o que estava acontecendo e tudo o que encontrei foram piadas!"
Peço perdão por não ter entendido que deveria estar fazendo análises aprofundadas —já que os colunistas de política passaram pro ramo do humor. Não me informaram desse troca-troca.
Entendo a confusão do colunista. A guerra deixou nossa direita perdidinha. Difícil condenar Putin na Rússia e apoiar, por aqui, um bufão miliciano alinhado com ele. Ao colunista conservador, sem saber o que lhe é permitido dizer, só resta criticar os humoristas.
Por aqui, gostaria de lembrar a todos que continua permitido falar de frango e de marchinha. E não me digam que nós somos teóricos/ Pois ao contrário somos muito práticos/ Nós combatemos com os carros alegóricos/ Todo o ano seremos democráticos", já cantava Dircinha Batista, em "Calma no Brasil".
FOLHA
Catarina Bessell - ilustração