Antonio Risério, a Folha e o jornalismo reverso
Em 2015, Dylann Roof, aos 21 anos, entrou numa histórica igreja negra em Charleston, na Carolina do Sul (EUA), e matou a tiros nove pessoas. Roof afirmou: "Alguém tinha que fazê-lo porque, sabe, os negros estão matando os brancos toda hora na rua". Em manifesto, relata ter buscado na internet por "crime de negros contra brancos" (black-on-white crime) e, a partir daí, nunca seria o mesmo.
Endosso a carta-manifesto à Direção deste jornal e ao Conselho Editorial, do qual faço parte, redigida por 186 jornalistas da Folha, nesta quarta (19), sobre o texto de Antonio Risério. Schwartsman não vê "nada de escandaloso" no texto; Pinheiro pensa que o texto só relata a violência contra não negros; para Lygia Maria o problema é Risério ser branco. Nenhum deles entendeu patavina sobre retórica supremacista.
Eis o argumento de Risério. Premissa 1: "Ninguém precisa ter poder para ser racista" (ignora que racismo é sistema de poder). Premissa 2: "o racismo negro é um fato" (ignora que negros tem 2,6 mais chances de serem assassinados e que em Salvador 100% dos mortos pela polícia são negros). Conclusão: "neorracismo identitário" é "norma" (ignora que exceções não configuram norma).
Pergunto se o jornal publicaria anedotas de crimes por mulheres ou por LGBTs para desacreditar o crime de feminicídio ou o de LGBTfobia. O problema do texto de Risério não é ele ser polêmico (não se preocupem, temos estâmina o suficiente para aguentar); o problema é que esta Folha aceitou alçar a página inteira um texto que reproduz teorias supremacistas que, até ontem, apenas habitavam os porões da internet.
FOLHA