Lula e Alckmin ensaiam frente ampla que faltou em 2018
Bernardo Mello Franco
A dobradinha de Lula e Geraldo Alckmin saiu do mundo da imaginação e entrou no campo da probabilidade. A ideia parece ter empolgado os velhos rivais, que voltaram a se encontrar em segredo na sexta-feira. Se vingar, a chapa pode definir a eleição de 2022.
Apesar de liderar as pesquisas, o petista enfrentava dificuldades para ampliar o palanque em direção ao centro. Só contava com aliados à esquerda: PCdoB, PSB e PSOL, que pela primeira vez não deve lançar candidato. Para chegar ao Planalto em 2002, Lula cedeu a vice ao PL de José Alencar. Agora o empresário está morto e o partido foi alugado a Jair Bolsonaro.
Uma aliança com Alckmin não atrairia novas siglas, já que ele está de saída do PSDB e deve se filiar ao PSB. O objetivo é outro: quebrar resistências em setores que se desiludiram com Bolsonaro, mas temem a volta do PT. O tucano é um político conservador e afável à elite econômica. Sua adesão complicaria a vida de quem insiste em descrever Lula como um radical.
Alckmin se preparava para uma eleição difícil em São Paulo, que já governou por quatro mandatos. Ele lidera as pesquisas, mas precisaria concorrer como candidato de oposição. A máquina do estado trabalhará pelo vice-governador Rodrigo Garcia, recém-filiado ao PSDB. Um fracasso poderia significar o fim da linha para o ex-governador. Ele já saiu humilhado da última eleição presidencial: montou a maior coligação e teve menos de 5% dos votos.
A migração para o palanque de Lula vai desagradar muitos eleitores de Alckmin, mas pode catapultá-lo de volta ao cenário nacional. Derrotado em 2006 e 2018, ele voltaria à fila do Planalto. E ainda se vingaria de João Doria, que se negou a apoiá-lo para o Palácio dos Bandeirantes.
Pesquisas encomendadas pelo PSB indicam que a chapa com Alckmin aumentaria a votação de Lula em São Paulo. Como o estado concentra 22% do eleitorado brasileiro, isso pode deixá-lo mais próximo de uma vitória no primeiro turno.
Antes de convencer o eleitor, os dois precisarão dobrar os próprios aliados. Do lado petista, as resistências à chapa já encolheram. Hoje se limitam a algumas vozes da esquerda do partido, que chamam o tucano de neoliberal e lembram seu apoio ao impeachment de Dilma Rousseff. No grupo do ex-governador, há medo da reação dos eleitores antipetistas. Mas Alckmin parece disposto a sacrificar parte de sua base em nome do discurso de conciliação nacional.
Os defensores da chapa argumentam que a disputa de 2022 não será apenas mais uma eleição. O resultado pode definir o futuro da democracia brasileira, sob ataque da extrema direita no poder. Reeleito, Bolsonaro ganharia novo fôlego para avançar com seu projeto autoritário. Ele voltou a deixar isso claro na última terça, ao comemorar a filiação ao PL com ameaças veladas ao Supremo Tribunal Federal.
No segundo turno de 2018, o PT tentou atrair a centro-direita para impedir a vitória do capitão. Os tucanos torpedearam o acordo, com as consequências conhecidas. Quatro anos depois, Lula e Alckmin podem tirar a frente ampla do papel.