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    quarta-feira, novembro 17, 2021

    Bolsonaro acabar com o Bolsa Família é um ato criminoso do governo


     

    Djamila Ribeiro


    Estamos a poucos dias da extinção de um dos programas de transferência de renda mais bem-sucedidos do mundo. No dia 7 de novembro, o programa Bolsa Família termina por ordem de um Executivo e Legislativo irresponsáveis, para dizer o mínimo. Trata-se da medida provisória 1.061.

    Não fosse o pesadelo que estamos vivendo há pelo menos cinco anos, seria difícil acreditar na extinção de um programa dessa dimensão de forma apressada e injustificada.

    O programa Bolsa Família passou por fiscalizações de diversos órgãos, estudos acadêmicos de diversas áreas nacionais e internacionais. Sempre foi uma política pública em disputa.

    No pano de fundo, de um lado, há a admiração por um programa de transferência de renda inspirador, que empodera grupos socialmente vulneráveis, em especial as mulheres.

    Junto à inspiração, há as métricas que comprovavam os impactos positivos no desenvolvimento da sociedade brasileira; de outro lado, há o racismo e o machismo de uma elite e de uma pretensa elite que odeiam o povo brasileiro e rechaçam qualquer política pública voltada ao fortalecimento dos grupos que ocupam as margens da sociedade —diga-se de passagem, com a adesão de parte progressista que reduzia o programa a "assistencialismo", ignorando os infinitos impactos positivos na transferência de renda.

    Vale ressaltar um estudo realizado pela antropóloga Walquíria Domingues Leão Rêgo, da Unicamp, e Alessandro Pinzani, da Universidade Federal de Santa Catarina, que acompanhou por cinco anos mulheres beneficiadas pelo programa no interior do Piauí e do Maranhão, no Vale do Jequitinhonha, na periferia de São Luís e no litoral de Alagoas.

    As conclusões apontaram uma série de elementos, mas destaco aqui que houve um fortalecimento dessas mulheres, que passaram a ter mais condições para sustentar suas famílias e enfrentarem a violência dos próprios maridos, com aumento, inclusive, dos pedidos de divórcio. Sobre esse estudo, os pesquisadores lançaram o livro "Vozes do Bolsa Família: Autonomia, Dinheiro e Cidadania", pela editora Unesp.

    Sem qualquer justificativa, a rede é extinta, disseminando desinformação e insegurança para milhões de pessoas. Isso é extremamente grave e deveria saltar aos olhos, mas os absurdos parecem não ter fim nesse desgoverno que promove uma erosão social no país. No dia 7 de novembro, que as manchetes dos jornais digam: "Com a cumplicidade do Legislativo, uma medida provisória põe fim a um dos mais exitosos programas sociais que este país já teve".

    No seu lugar, está prometido o Auxílio Brasil. Muitas pessoas são levadas a acreditar que "é quase a mesma coisa, só mudou de nome". Desenvolvido nos governos Lula e Dilma, o Bolsa Família é um exemplo de política pública de impacto positivo. Nesse sentido, a mudança de nome seria apenas uma tática eleitoreira de um governo incapaz de formular medidas para benefício da população. Troca o nome, apaga o trabalho de décadas para implementar a política e inaugura o que já existe.

    Entretanto, o que está em curso vai muito além do que a troca de nome. Cumpre notar importante artigo escrito por Sandra Brandão, economista e mestre pela Unicamp, e Tereza Campello, professora titular da USP e ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma, no site da Carta Capital, sob o título "O Auxílio Brasil Não É um Novo Bolsa Família. É um Pastel de Vento".

    As economistas apontam uma série de imprecisões de implementação. Tais necessidades de organização e pactuação com estados e municípios mostram que, mesmo que tudo saia como planejado, o que admitiremos aqui por amor ao debate, os benefícios não serão implementados tão logo, como anunciam Executivo e Legislativo. É um péssimo dado para um país que aprofunda sua miséria.

    Além disso, o programa adota uma pulverização de benefícios, como metas e prêmios de uma empresa, distribuindo desigualdade com base numa visão individual, o oposto da proposição de política pública estrutural.

    Entretanto, apesar de toda essa complexidade, o que se discutiu em torno do tema, como lembra Tereza Campello em entrevista ao UOL, foi o teto de gastos, uma ilusão dos governos Temer e Bolsonaro, mas que serve como boa ameaça contra investimentos em assistência social, ciência e tecnologia e o que mais beneficiar esse país.

    Já sobre o mérito do programa em si e sua implementação, tanto governo quanto mídia hegemônica não o abordam com a seriedade que o assunto merece.

    Em um momento de aprofundamento das desigualdades, em que milhões de pessoas passam fome, brigam por ossos e restos de comida, a extinção do Bolsa Família é algo criminoso.

    (ilustração Linoca Souza )


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