A volta do discurso anticorrupção
Claudio Ferraz
Corrupção não é doença, é sintoma. Para colocar o Brasil no caminho do desenvolvimento econômico, é preciso haver mudanças institucionais
a eleição de 2018, o resultado da operação Lava-Jato levou muitos eleitores a votarem contra os políticos incumbentes, elegendo o presidente Bolsonaro e gerando uma das maiores renovações legislativas da História brasileira. Com a entrada de Sérgio Moro na corrida presidencial, e a participação de Luiz Inácio Lula da Silva, o combate à corrupção voltará novamente ao centro do debate eleitoral.
Infelizmente isso será contraproducente. Não digo isso por achar que o combate à corrupção é pouco importante ou por achar que o PT e o Lula não tiveram nenhuma culpa no escândalo do mensalão.
Mas acho que será um erro focar o debate eleitoral em corrupção. Depois de muitos anos estudando o tema, tenho certeza de que, apesar de importante, a corrupção não é o grande determinante do atraso econômico e social brasileiro. É claro que muitos dos países mais pobres do mundo são também os mais corruptos, segundo o Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional.
Essa relação também existe se olharmos para a pesquisa do Banco Mundial de Empresas onde os países mais pobres têm uma maior proporção de firmas que reportam pagamentos de propinas. Mas isso não significa que uma redução da corrupção nesses países fará com que eles comecem a crescer de formas sustentável imediatamente. As instituições que causavam a corrupção continuarão lá e seguirão sendo uma barreira ao crescimento.
Nesse sentido, concordo plenamente com os economistas Daron Acemoglu e James Robinson quando eles afirmam que a corrupção é o sintoma, e não a doença. E para curar o paciente no longo prazo temos que tratar da doença. Políticas anticorrupção que não mexam no resto das instituições não têm nenhuma chance de colocar o Brasil em uma trajetória de desenvolvimento econômico.
Uma coisa que ficou clara no atual governo é que a incompetência administrativa pode vir a ser muito pior do que muito desvio de recursos.
Mas a corrupção não é ruim para o país? Claro que sim. Quando políticos e burocratas se enriquecem de forma ilícita, perdemos a confiança na democracia, no sistema jurídico e no funcionamento do Estado. Os recursos que vão para o bolso dos agentes corruptos faltam nos bens e serviços públicos. Isso tem efeitos diretos sobre nutrição infantil, mortalidade e aprendizagem das crianças nas escolas.
E quando contratos do governo ou crédito de bancos públicos são distribuídos com base em relações políticas e subornos, terminamos com obras mais caras e má alocação dos recursos da economia.
Apesar de todas essas consequências negativas, imaginar que todos os males do Brasil se devem à corrupção é uma ilusão. O desvio de recursos para a educação nos municípios faz com que muitos alunos não tenham merenda escolar, nem uma biblioteca, como eu mesmo já mostrei em minha pesquisa. Mas imaginar que esse é o principal problema na qualidade da educação brasileira é equivocado.
Muitos dos empréstimos de bancos públicos podem ser dados a empresas que pagam propinas, mas não é óbvio que esse seja um problema maior para a alocação de crédito do que a grande concentração no mercado bancário brasileiro.
O pagamento de propinas que aconteceu na Petrobras em troca de contratos teve um grande efeito na má alocação de recursos da economia, mas um cartel com meia dúzia de empreiteiras tem um efeito extremamente nocivo na economia, mesmo num mundo onde não exista corrupção.
Pelo lado da política, também é equivocado pensar que o grande vilão é somente a corrupção. Se tivéssemos instituições políticas que fomentassem a concorrência, a renovação política, o fortalecimento partidário e a responsabilização, teríamos melhor seleção e desempenho dos nossos representantes.
A queda na corrupção seria uma consequência dessas mudanças. O problema está, em geral, nas instituições que criam os incentivos perversos.
Eu sei que será inevitável ter um debate eleitoral sobre corrupção, Lava-Jato e desvio de recursos públicos. Mas ninguém reduz a pobreza, cria emprego e aumenta a produtividade do país com política anticorrupção. Serão mudanças institucionais que farão com que as empresas brasileiras queiram inovar, que as escolas ensinem melhor, e que o trabalhador consiga um emprego no mercado formal.
Essas
mudanças possivelmente também farão com que o Brasil fique menos
corrupto. Não tratemos só o sintoma, temos que pensar na cura da doença.
GLOBO