Perder é mais natural do que ganhar, mas o brasileiro pensa o contrário - Jornal O Globo
Alexandre Alliatti
Demoraria mais de uma década, mas ele estava certo: esta coluna é sobre Mayra Aguiar, embora também seja sobre Daiane dos Santos ou Marta ou o próprio João Derly — superatletas que não tiveram o talento recompensado com o ouro olímpico. Eles simbolizam uma combinação cruel de fatos: perder é mais natural do que ganhar, especialmente em Olimpíadas; e o torcedor brasileiro tem particular aptidão a pensar o contrário.
Daquele 2008 para cá, Mayra conquistou dois Mundiais e se tornou a primeira brasileira a ser três vezes medalhista olímpica, com três bronzes — o último deles em Tóquio. Orbitou em volta do ouro e, por diferentes motivos, não conseguiu tocá-lo: porque foi da mesma geração da genial norte-americana Kayla Harrison (para quem perdeu em 2012), porque cometeu erros (caso das punições que lhe custaram a semifinal em 2016), porque deu azar (ao se lesionar e não chegar a Tóquio no auge).
O mesmo aconteceu, em um período mais curto, com Daiane dos Santos, outra campeã mundial. Esta semana, com a prata de Rebeca Andrade no individual geral, acabamos revendo as apresentações da ex-ginasta. Ela era assombrosa no exercício de solo, uma explosão rara de talento. Fatalidades do esporte fizeram com que Rebeca ganhasse agora o que Daiane poderia ter ganhado lá atrás. A alegria que Daiane demonstrou com o sucesso de Rebeca é bonita também por isso: ela não se sentiu superada, e sim ampliada, representada.
Mayra, Daiane e tantos outros atletas lidaram com críticas por não terem sido os melhores entre os melhores no momento específico da Olimpíada. É quando o Brasil presta atenção em esportes que costuma ignorar. E é quando o vício que colocamos no futebol, de exigir a vitória e nada além da vitória, contamina outras modalidades. “Como esse nadador pôde terminar em oitavo?”, pergunta o torcedor que não é o oitavo melhor do mundo em sua profissão.
É preciso ter claro que cuidados com críticas não significam condescendência com derrotas. Os atletas são os maiores prejudicados por discursos conformistas. E costumam ser os primeiros a se reprovar quando ficam abaixo do que planejavam, como exemplificou o fundista Altobeli Silva depois de terminar em décimo na semifinal dos 3000m com obstáculos. “É uma decepção muito grande, a ponto de você analisar: será que isso vale a pena?”, desabafou.
A resposta à pergunta de Altobeli havia sido dada poucas horas antes. Ainda emocionada pela conquista da medalha de bronze, Mayra já falava sobre os Jogos de 2024. E avisava: “Vocês vão me ver em Paris”.
Era como se ela dissesse que vale, sim, a pena: que apesar de tudo, vale a pena.
O GLOBO