Palácio Capanema à venda: um símbolo do desmonte da cultura
Bernardo Mello Franco
O governo incluiu o Palácio Gustavo Capanema, uma joia do centro do Rio, no “feirão de imóveis” anunciado para o fim do mês. O edifício é um marco da arquitetura moderna e um patrimônio da cultura brasileira. Nos últimos sete anos, a União investiu R$ 100 milhões para restaurá-lo. Agora o ministro Paulo Guedes quer vendê-lo para engordar o caixa às vésperas da eleição.
A sede do antigo Ministério da Educação e Saúde nasceu do traço do franco-suíço Le Corbusier, que visitou o país em 1936. O croqui reunia os principais elementos de sua arquitetura: construção sobre pilotis, terraço-jardim, janelas em fita.
O projeto foi desenvolvido por uma equipe integrada por Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy. Os azulejos de Candido Portinari, as esculturas de Bruno Giorgi e os jardins de Burle Marx transformariam o edifício num museu a céu aberto, inaugurado por Getúlio Vargas em 1945.
Hoje o edifício de 16 andares abriga uma biblioteca pública, uma sala de espetáculos, parte do acervo da Biblioteca Nacional e as superintendências de órgãos culturais.
“Quando me disseram que o palácio seria vendido, pensei que fosse piada. É como se Roma resolvesse vender o Coliseu”, compara o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, diretor da Casa Roberto Marinho.
A notícia do leilão, publicada pelo Valor Econômico, também provocou calafrios no poeta Armando Freitas Filho. O autor de “3x4” bateu ponto no Capanema por mais de duas décadas. Dividiu seus elevadores com Carlos Drummond de Andrade, Lucio Costa e Ferreira Gullar.
“É mais um crime dessa gente que tomou conta do Brasil. Minha vontade é responder com palavrões. Talvez eles só entendam assim”, desabafa o poeta.
O Ministério da Economia incluiu o Capanema numa lista de 2.263 imóveis a serem vendidos no Rio. “Vamos convidar incorporadoras, fundos imobiliários e investidores em geral”, animou-se o secretário especial de Desestatização, Diego Mac Cord.
“Este governo é incapaz de compreender a importância histórica e arquitetônica de um edifício. No universo deles, tudo é dinheiro e mercadoria”, protesta Juca Ferreira, ministro da Cultura nos governos Lula e Dilma.
“Só um governo demolidor da cultura poderia ter uma ideia assim”, concorda Marcelo Calero, que comandou o ministério na gestão Temer. O deputado estuda medidas judiciais para barrar o negócio. Um decreto-lei de 1937, ano em que o palácio foi erguido, impede a alienação de imóveis tombados que pertençam à União.
Para Lauro Cavalcanti, o leilão do Capanema agravaria o esvaziamento do Rio, iniciado com a transferência da capital para Brasília. “O prédio é uma atração turística internacional. Não se trata de nostalgia, e sim de valorizar o que a cidade tem de melhor”, defende. Ele define a possível venda como uma “estupidez cultural”, que ilustra “o descalabro que estamos vivendo no Brasil”.
No dia em que tomou posse, Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério da
Cultura. Foi o ato inaugural de uma série de boicotes ao setor. O
governo perseguiu artistas, asfixiou a produção de filmes e abandonou
órgãos como a Cinemateca Brasileira. Vender o Capanema num “feirão de
imóveis” seria o símbolo final do desmonte.
O GLOBO