O Brasil que amo
ESTHER SOLANO
Tinha me prometido não escre-
ver sobre Bolsonaro esta sema-
na, mas chegaram as Olimpía-
das, a Rebeca, a prata, depois o ouro e...
chupa, Bolsonaro! Sou fã absoluta e in-
condicional do atletismo, da natação e
da ginástica artística. Sigo os respecti-
vos mundiais e aguardo ansiosa a cada
quatro anos o momento mais espera-
do para os amantes dessas modalida-
des. No último ano foi uma apreensão
não saber se haveria Tóquio 2020, Tó-
quio 2021 ou Tóquio nada. Então, os jo-
gos começaram e parei para acompa-
nhar. Não me liguem nem me escre-
vam, a não ser que o mundo vá acabar.
Passo os dias com o nariz colado na te-
vê. Assisto a tudo desses três esportes.
Chega o turno da ginástica artística.
A norte-americana Simone Biles come-
ça dando uma lição ao mundo. A pessoa
antes do mito, a vida antes do pódio, a saú-
de antes da medalha. Exemplo, força e co-
ragem. E seguiu Rebeca. Quem não cho-
rou, nem sequer uma dessas lagriminhas
que sufocam a respiração por uns segun-
dos, é que não entendeu a grandiosidade
do símbolo que estava em jogo nessa pra-
ta e depois nesse ouro. Ou talvez os fas-
cistas choraram de raiva, porque nessas
conquistas estava simbolizado tudo o que
eles odeiam e tentam destruir.
"Durante muito tempo, as pessoas
disseram que as pessoas negras não po-
deriam fazer alguns esportes. E a gente
vê hoje, a primeira medalha (da ginás-
tica olímpica feminina brasileira) é de
uma menina negra. Tem uma represen-
tatividade muito grande atrás de tudo
isso (...) É uma mulher, uma menina que
veio de uma origem muito humilde, foi
criada por uma mãe-solo como a dona
Rosa, porque o pai da Rebeca é vivo,
mas não é presente na vida dela, aguen-
tou tudo que ela aguentou, todas as le-
sões e está aí hoje, para ser a segunda
melhor atleta do mundo. Uma brasi-
leira”, resumiu Daiane dos Santos, ao
transmitir a prata de Rebeca. Daiane
resumiu o Brasil, resumiu a dor de mi-
lhões de brasileiras. Não vou esquecer
Rebeca no pódio, mas tampouco vou
esquecer a fala de Daiane, a pioneira,
a que abriu os caminhos.
Horas depois da vitória, que foi uma
vitória para o mundo, a mãe de Rebeca,
Rosa Santos, deu uma entrevista emo-
cionante ao portal UOL, na qual nar-
rou as dificuldades que, como mãe-so-
lo, pobre, periférica, teve para criar
a Rebeca e seus irmãos e ajudar a gi-
nasta a cumprir seu sonho olímpico.
“Muitos me criticaram na época, por-
que logo aos 9 anos ela foi morar fora,
foi se dedicar aos treinos. Diziam ‘vo-
cê é doida de deixar sua filha ir embo-
ra’. Mas eu tive a sabedoria e a mente
aberta para deixá-la seguir seus sonhos.
Deixei que ela voasse atrás de um ob-
jetivo, deixando também claro que, se
não desse certo, as portas de casa sem-
pre estariam abertas para ela. Hoje eu
vejo que agi certo, por ter ouvido o meu
coração.” E a senhora Rosa resumiu a
vida da mulher negra, da mãe-solo no
Brasil. Críticas e mais críticas.
Mas é isso, Rebeca brilhou, ganhou
e deixou o mundo boquiaberto. Rebeca
ganhou e o melhor do Brasil que eu amo
ganhou com ela. Ganharam as mulhe-
res negras que sobrevivem e deslum-
bram, apesar do racismo que as quer
mortas e do machismo que também as
quer mortas. Ganharam as mães que lu-
tam incansavelmente, embora o País se
empenhe em massacrá-las. Ganharam
as meninas que sonham e nos permi-
tem sonhar juntos, apesar dos governos
que se esforçam para destruir sonhos.
Obrigada, Rebeca. Obrigada por
tanto. Obrigada pelo imenso prazer do
“chupa, Bolsonaro” que gritei quando
você ganhou. E aí, monstro? Deu raiva
ver uma “fraquejada” no topo do pódio?
Deu raiva ver uma “afrodescendente
que pesa 7 arrobas” no topo do pódio?
Chupa, chupa e chupa. O Brasil é mui-
to maior do que você. O Brasil é muito
mais Rebecas do que Bolsonaros, sim.
Obrigada, Rebeca. Obrigada pelo
imenso prazer de poder rir na cara dos
fascistas, dos violentos, dos que não su-
portam a glória alheia porque só conse-
guem chafurdar na sua mediocridade, e
mais ainda, a glória de uma mulher ne-
gra que representa o Brasil é o inferno
para eles. Obrigada, Rebeca. Obrigada
porque você representa o Brasil que amo
e no qual acredito. Obrigada por nos fa-
zer sonhar, obrigada por nos fazer cho-
rar. São lágrimas que valem o mundo. •
cartacapital.