O incêndio no depósito da
Cinemateca Brasileira,
em São Paulo, é uma metáfora dramática do Brasil sob Bolsonaro,
sufocado por uma nuvem tóxica de cinzas e escuridão. Cultura, arte,
passado, presente e futuro devorados na fogueira da ignorância e da
vulgaridade que tomou o país de assalto.
O bolsonarismo é mais destruidor que os cupins. Mas a comparação é até
injusta com os insetos. Cupins têm papel fundamental nos ciclos
ecológicos. Bolsonaro é praga de elevado potencial devastador, com seu
cortejo tenebroso de generais, milicianos, pastores de araque,
trambiqueiros de vacina, adoradores do nazifascismo, capitães do mato,
jagunços no parlamento, capangas infiltrados nas instituições e
aduladores do deus "mercado".
Bolsonaro odeia o Brasil. Por isso essa guerra sem trégua. Censo para
conhecer o país e suas necessidades, educação e esporte, estímulo à
produção científica, arte e cultura, meio ambiente saudável? Tudo que
reafirma nossa dignidade como povo e que nos dá possibilidades de futuro
é objeto da violência de terra arrasada, tragicamente representada nos
mais de 550 mil mortos na pandemia.
Já fora um prenúncio sua reação ao incêndio do Museu Nacional,
no Rio, em setembro de 2018. "Já está feito, já pegou fogo, quer que
faça o quê?" Quantas vezes Bolsonaro reagiu com a mesma indiferença à
escalada de mortes na pandemia? "E daí?"
O fogo na Cinemateca tem a mesma força simbólica dos ossos que os
desesperados de barriga vazia recolhem na fila do açougue, na capital do
agronegócio, Cuiabá. Morte, fome, doença e tentativa de extermínio da
memória nacional são resultados de uma guerra anunciada.
Assistindo ao incêndio na TV, uma amiga mandou-me mensagem,
angustiada: "O que vai sobrar deste país?". Lembrei do samba de Nelson
Cavaquinho e Élcio Soares: "O sol há de brilhar mais uma vez".
Lembrei de Rayssa e Rebeca, em Tóquio. E disse a ela: "Nós. Nós estaremos aqui e vamos construir tudo de novo".
FOLHA