This site will look much better in a browser that supports web standards, but it is accessible to any browser or Internet device.



blog0news


  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

  • Vislumbres

    Powered by Blogger

    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    segunda-feira, julho 26, 2021

    O que pode ser dito à beira do abismo?

     

     Esther Solano - Perfil

    ESTHER SOLANO

    ►A cada 15 dias sento-me na fren-
    te do computador e tento es-
    crever uma coluna minima-
    mente inteligente, digna da leitura de
    vocês, ou ao menos que dialogue com
    alguém que está do outro lado destas li-
    nhas. Desde que os mortos da pande-
    mia começaram, no entanto, a se acu-
    mular, a se aglomerar, pois os cadáve-
    res, estes sim, se aglomeram nos cemi-
    térios, os doentes, estes sim, se aglo-
    meram nas UTIs, acabo sempre senta-
    da por uns minutos na frente da pági-
    na em branco a pensar que nada digno,
    relevante ou adequado pode ser escrito,
    pois... São 500 mil mortos. O que pode
    ser dito à beira do abismo? O que pode
    ser dito diante desse número que sim-
    boliza uma descida sem volta aos infer-
    nos? Não há linguagem, não há palavra
    que dê conta do horror. A lágrima é a
    única linguagem possível. O grito é a
    única linguagem possível. Bom, há uma
    palavra, sim, uma: assassino. No exten-
    so mundo dos adjetivos, dos pronomes,
    dos substantivos, dos verbos, das con-
    jugações, eu fico com assassino, o único
    termo que materializa o que realmente
    está a ocorrer no Brasil.


    Há outra forma de linguagem tam-
    bém possível, a luta. Nesta coluna, que-
    ro agradecer, com o coração na mão,
    com a alma na mão, com as entranhas,
    quem foi às manifestações no sábado 29
    de maio e lutou por todos nós. Quem foi
    e representou aqueles que não puderam
    estar lá, porque a pandemia nos envol-
    ve com muros invisíveis. Obrigada, obri-
    gada, obrigada pelo sacrifício, obrigada
    porque hoje todos podemos ter um pou-
    co mais de fé, graças a vocês.


    Cada indivíduo luta como pode e co-
    mo sabe. Não gosto da superioridade mo-
    ral de quem se proclama de esquerda, de-
    cidiu não ir às manifestações e aponta o
    dedo no nariz de quem foi porque, “se vo-
    cês criticam Bolsonaro, aglomerar é inco-
    erente”. Meu amigo, aglomerar com a in-
    tenção de negar a doença, de assassinar,
    de debochar dos mortos, é uma coisa, se
    juntar nas ruas, protegido, para lutar con-
    tra o vírus e o fascismo é outra bem dife-
    rente. É, aliás, o oposto, pois o vírus mata,
    mas o monstro também. Não enxergo in-
    coerência, enxergo atitude nobre e genero-
    sa. Tampouco gosto da superioridade mo-
    ral de quem foi às manifestações e aponta
    o dedo no nariz de quem não foi sem res-
    peitar os medos, as doenças ou as angús-
    tias que não permitem estar nas ruas nes-
    te momento. Meu outro amigo, nossa luta
    também passa pela empatia, pela sensibi-
    lidade, pela compressão da dor e das limi-
    tações alheias. Devemos ter o cuidado de
    entender que esta situação tatua sequelas
    terríveis na pele e na psique de muitos de
    nós. O inimigo é outro. O assassino é outro.


    Quando Átila Iamarino falou em 1 mi-
    lhão de mortos no Brasil, eu confesso,
    quis negar, achei exagerado. Minha in-
    capacidade psíquica e emocional de en-
    xergar o tamanho desse horror me blo-
    queou, para aceitar que isso seria re-
    motamente possível. Eu rejeitei, inde-
    feri, deneguei, não podia ser verdade.
    Como eu, acho que muitos de vocês não
    podiam dar conta da realidade que es-
    tava se apresentando diante de nós. Não
    podia ser verdade um volume tão brutal
    de padecimento. Mas estamos em quase
    500 mil mortos e não posso negar a bru-
    talidade que define os nossos dias.


    Na CPI da Covid-19, o diretor do
    Butantan, Dimas Covas, declarou que o
    País poderia ter tido 60 milhões de do-
    ses até dezembro de 2020, que “o Brasil
    poderia ter sido o primeiro do mundo
    a iniciar a vacinação se não fossem es-
    ses percalços, tanto contratuais quan-
    to de regulamentação”. Igualmente de-
    vido à ausência de negociações sérias
    com a China, o Butantan deixou de en-
    tregar, em maio, 7 milhões de vacinas a
    mais. Milhões, milhões de vacinas nega-
    das, vacinas impossíveis, não produzi-
    das, não entregues. Quantas vidas assas-
    sinadas entre esses milhões de vacinas
    negadas? Mas, é isso, a gente vive num
    país que considera justo o impeachment
    de uma presidenta por umas exóticas
    pedaladas fiscais, mas milhões de vaci-
    nas negadas não parecem ser justifica-
    tiva suficiente.


    Obrigada a quem foi às ruas. Obrigada
    a quem não foi porque cuidou da sua dor
    e de seus limites. Um abraço apertado,
    desde aqui, longe mais próximo, a quem
    sofreu a dor insuportável da perda.
    Precisamos de todos vocês, devemos
    ficar juntos. Agora é o momento daquele
    “ninguém solta a mão de ninguém”, nas
    ruas, no confinamento, na sala do hos-
    pital, onde for.


    Assassino, assassino, assassino. A
    única palavra possível. • 

    CARTA CAPITAL

    1 Comentários:

    Às 08/10/2022, 21:50 , Blogger Emilio Salmo de Oliveira disse...

    Uma frase deste texto foi parar no Priberam: pedalada. Parabéns!

     

    Postar um comentário

    Assinar Postar comentários [Atom]

    << Home


    e o blog0news continua…
    visite a lista de arquivos na coluna da esquerda
    para passear pelos posts passados


    Mas uso mesmo é o

    ESTATÍSTICAS SITEMETER