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    domingo, julho 18, 2021

    O QAnon de Bolsonaro

    PABLO ORTELLADO

    Círculos trumpistas nos Estados Unidos difundiram a teoria da conspiração de que democratas, empresários e artistas estariam envolvidos numa ampla rede de tráfico de crianças para cometer canibalismo e pedofilia. Donald Trump teria descoberto o complô e estaria secretamente trabalhando para denunciar e prender os responsáveis.

    A tese estapafúrdia foi exposta num fórum de internet anônimo por alguém que dizia ser um funcionário público de alto nível e que adotava o pseudônimo QAnon.

    De maneira semelhante, círculos bolsonaristas começaram a difundir nas últimas semanas uma teoria da conspiração tão desvairada quanto a de QAnon. Receberam a adesão de ninguém menos que o próprio presidente Jair Bolsonaro.

    A teoria diz que um ex-dirigente do PT, treinado em Cuba, teria conseguido provas do envolvimento de um ministro do Supremo com um famoso estuprador em atividades sexuais impróprias e que, com base nessas provas, estaria chantageando o ministro para conceder decisões favoráveis ao PT e fraudar as eleições de 2022. A tese, obviamente, não tem pé nem cabeça.

    Como toda teoria da conspiração, essa também tem muitas variantes. Em algumas versões mudam o tipo de conduta sexual inapropriada e as provas que teriam sido reunidas; noutras, mais ministros do Supremo seriam chantageados.

    A tese estapafúrdia aparece de maneira dissimulada em blogs, postagens no Twitter e de maneira mais aberta em correntes anônimas no WhatsApp. No começo do mês, recebeu o endosso de Bolsonaro.

    No dia 4, o presidente fez uma série de postagens no Twitter abonando o despropósito que tinha começado a circular um pouco antes. “Vamos supor uma autoridade filmada numa cena com menores (ou com pessoas do mesmo sexo ou com traficantes) e esse alguém (‘Daniel’) passe a fazer chantagem ameaçando divulgar esse vídeo”, escreveu. “Parece que isso está sendo utilizado no Brasil (importado de Cuba pela esquerda) onde certas autoridades tomam decisões simplesmente absurdas, para atender ao chantageador (‘Daniel’).” Daniel é o codinome adotado, durante o período da ditadura militar, por um ex-dirigente do PT, que já tomou as medidas judiciais cabíveis.

    O endosso a essa tese conspiratória alucinada e completamente absurda é semelhante aos sinais em código que Trump emitia durante seus discursos, celebrados pelos defensores das teses de QAnon como uma espécie de culto. O método é chamado de “apito de cachorro”, uma sinalização que só os iniciados compreendem.

    Há bastante controvérsia no meio acadêmico acerca de a conspiração difundida por QAnon ter influenciado de maneira relevante o voto nas eleições americanas de 2020. Mas não há muita controvérsia sobre a difusão da teoria ter colaborado para ampliar a intolerância a democratas e depois para respaldar a tese de que uma conspiração de autoridades teria fraudado o resultado (32% dos americanos seguem acreditando que a eleição presidencial foi roubada).

    É difícil determinar o momento em que uma teoria da conspiração está tão disseminada que é preciso começar a combatê-la, sem o risco de, ao fazê-lo, involuntariamente ajudar a difundi-la. Acredito que o endosso do presidente e o empenho da máquina de propaganda bolsonarista me autorizam a emitir o alerta.

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