Intimação fardada
Bernardo Mello Franco
Quando o Brasil ultrapassou as 70 mil mortes pelo coronavírus, o ministro Gilmar Mendes criticou a militarização do Ministério da Saúde e avisou que o Exército estava se associando a um genocídio. Um ano e 460 mil mortes depois, as Forças Armadas também precisam explicar o envolvimento de oficiais em suspeitas de corrupção
Ao menos seis militares entraram na mira da CPI da Covid, que apura negociatas na compra de vacinas. A tropa inclui um general, três coronéis, um tenente-coronel e um ex-sargento da Aeronáutica acusado de cobrar propina de um dólar por dose.
O senador Omar Aziz se referiu a esses fatos quando lamentou o envolvimento de “alguns” oficiais em falcatruas. Em vez de colaborar com as investigações, a cúpula militar resolveu ameaçar a CPI.
A nota divulgada pelo ministro da Defesa e pelos três comandantes militares é uma peça de intimidação explícita. Os signatários acusam o senador de “desrespeitar as Forças Armadas” e “generalizar esquemas de corrupção”. Quem assistiu à sessão do Senado sabe que isso não ocorreu.
Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia”. Em seguida, elogiou os militares e manifestou respeito pela instituição. “Quando a gente fala de alguns oficiais do Exército, é lógico, nós não estamos generalizando”, ressaltou.
A Defesa levou quase nove horas para reagir. Curiosamente, só se mexeu depois de Aziz dar voz de prisão ao ex-sargento Roberto Dias, que mentiu e foi desmascarado diante das câmeras.
Além de distorcer as palavras do senador, a nota dos militares termina em tom de ameaça. Diz que as Forças Armadas “não aceitarão qualquer ataque leviano”. Faltou explicar se a resposta virá a bordo de tanques, fragatas ou aviões de combate.
Jair Bolsonaro já mostrou que fará de tudo para obstruir o trabalho da CPI. Nas últimas semanas, ele chamou senadores de “patifes”, “picaretas” e “bandidos”. Ontem usou um termo chulo para reforçar as agressões.
Ao insinuar uma quartelada, a cúpula militar se associa a essa tática de intimidação. E sugere que está disposta a romper a legalidade para proteger um presidente rejeitado pela maioria dos brasileiros.