Salles sai, boiada fica
Não há o que comemorar com a saída de Salles:
sai o algoz, mas fica a política incendiária. Prova disso é a aprovação
do PL 490, anti-indígena, na CCJ da Câmara esta quarta (23). Sai
Salles, mas fica seu escudeiro. Erra quem pensa que o negacionismo
esteja corporificado em Salles ou mesmo em Bolsonaro; é pior: são os
interesses do atraso econômico, desinformação e extermínio que sustentam
o governo, e não o contrário. A mão que balança o berço do qual cai
hoje Salles continuará a ditar o ritmo deste balanço rumo ao retrocesso.
O sádico roteirista deste país nos brindou com um ato, ao mesmo tempo, trágico e elucidativo como, em geral, os atos finais são: no exato momento em que Salles saía do governo para entrar para o poço da história, a deputada Bia Kicis guiava a boiada para aprovar o maior acinte aos povos indígenas na história recente. É sintomático de um país que esmagou seus povos testemunhar a força gigante, mas solitária, da única deputada indígena, Joenia Wapichana, um dia depois de a polícia de Lira e Ibaneis brutalizar um protesto pacífico.
Inconstitucional, o PL 490 impõe o marco temporal —que congela as terras indígenas em 1988— apesar de o STF ter sido claro no sentido de que o marco não se aplica a outras demarcações, e a corte ter na pauta outro caso a respeito no próximo dia 30. Esmaga o direito ao consentimento livre, prévio e informado, garantido pela Convenção 169, com força supralegal no Brasil. Mente ao afirmar que indígenas seriam latifundiários, sendo que suas terras indígenas ocupam apenas 13,8% do território nacional (pastagem ocupa 21,2%), sendo 98% na Amazônia e pouco em estados agrícolas.
Primeiro, mataram seus ancestrais e ergueram monumentos para os seus assassinos. Depois, queimaram suas casas, garimparam suas terras, e chamaram isso de progresso. Salles sai livre, quando há muito deveria estar preso. Hoje, choram as Guajajaras e os Krenakes deste país, molhando o solo em que construiremos o amanhã.
FOLHA