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    quarta-feira, junho 16, 2021

    Perdão, Kathlen

     Kathlen, grávida de três meses e meio, foi morta com um tiro de fuzil no tórax, numa ação policial ilegal no Lins


    By ruth de aquino 

    Não sou preta, não nasci em favela. Mas nada nesta semana me deixou com tanta náusea e tristeza quanto o tiro de fuzil que matou Kathlen Romeu, de 24 anos, no Complexo do Lins, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A bala perfurou o tórax da menina-mulher, grávida de 14 semanas e ansiosa em saber o sexo de seu bebê, Maya ou Zayon. Kathlen era formada em design de interiores, trabalhava como vendedora para loja de grife na Zona Sul. Posava como gestante, linda, com brilho no olhar amendoado e o sorriso sereno de quem tudo pode. 

    Não entendo que o Rio inteiro não se insurja contra esse crime bárbaro. Não aceito que os protestos se circunscrevam à favela e seu entorno carente. Está errado. Nossa pele branca não pode ser álibi para nos resignarmos em casa, como se o massacre de negros e pobres não acontecesse em nossa esquina. O lugar de fala não pode nos servir, a nós, brancos, como permissão tácita para o silêncio. Fingir que o Brasil não é racista e violento é ser cúmplice da desigualdade.

    A PM não pode continuar a violar a determinação do Supremo de evitar operações policiais nas favelas durante a pandemia. “Só casos absolutamente excepcionais”, disse o ministro Edson Fachin. E a lei não pega e fica por isso mesmo. Foram 29 mortos no Jacarezinho. Agora, Kathlen e seu bebê.
    Todo mundo continua a dormir bem? Para sobreviver a essa insanidade e aplacar nossa culpa, muitos se alienam e outros promovem vaquinhas nas redes sociais para ajudar a família no enterro. Escrevo uma coluna hoje. E só? Nos últimos quatro anos, 15 grávidas foram baleadas no Grande Rio, oito morreram, quatro em ações policiais. 

    Não foi fatalidade, não foi tragédia e me recuso a falar em “bala perdida”, por ser mais uma bala anunciada, numa ação policial ilegítima. Nossa política de segurança é de morte. A mãe de Kathlen, Jackeline, denunciou: “Eles falaram que a minha filha ganhou um tiro. Ela não ganhou um tiro. Foi executada. A PM deu tiros inconsequentemente e executou a minha filha. Todos os moradores falam que não havia troca de tiros. Eles (os policiais) estavam dentro de uma casa, viram os bandidos e atiraram. Não olharam para a rua para ver se alguém estava passando. Na favela, não mora só bandido. Bandido é que dá tiro a esmo. Polícia não. Polícia treina. A PM tirou a minha vida. O meu sonho. Parem de matar gente”.

    Kathlen saiu da favela onde nasceu quando soube da gravidez. Já tinha desenhado um destino luminoso, compraria uma casa com o companheiro, seria mãe. O pai, Luciano Gonçalves, disse que ela vivia a melhor fase da vida. Cheia de sonhos, inteligente, sonhava ser blogueira, modelo. “A gravidez no começo foi um susto. Ninguém esperava, mas foi uma bênção de Deus a gravidez da minha filha. Ela estava apreensiva, mas feliz”. Voltou ao Lins para visitar a avó, Sayonara. Ao lado dela, morreu.
    Não quero saber hoje de voto impresso, TCU, CPI. Nem de devastação ambiental. Devastada está a mãe de Kathlen, que pariu a única filha aos 15 anos, numa idade em que adolescentes ricas ganham viagem ou festa de debutante.

    Foram apreendidos com os policiais 12 fuzis e 9 pistolas. A Polícia Militar instaurou “um procedimento apuratório para averiguar as circunstâncias do fato". É a mesma enrolação de sempre. Não foi “um fato”. Foi um crime. “Procedimento apuratório”? A PM afirma que o tiro veio de bandidos. Kathlen está enterrada e, com ela, o bebê que teria pai e mãe formados, raridade nas favelas. Não sei em que momento paramos de reagir à barbárie oficial. Perdão, Kathlen, por nossa omissão.

    O GLOBO

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